Em 2018, a Sociedade Europeia de Oncologia Ginecológica (ESGO), juntamente com a Sociedade Europeia de Radioterapia e Oncologia (ESTRO) e a Sociedade Europeia de Patologia (ESP), publicaram diretrizes baseadas em evidências para o manejo de pacientes com câncer cervical. Diante do grande número de novas evidências abordando o manejo do câncer do colo do útero, as três sociedades decidiram atualizar essas diretrizes, abrangendo questões relevantes sobre diagnóstico e tratamento do câncer do colo do útero. A oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz (foto) comenta as diretrizes atualizadas, que foram publicadas no International Journal of Gynecologic Cancer.
Com participação de 27 especialistas em toda a Europa, o painel teve o respaldo adicional de 155 profissionais internacionais independentes, que revisaram as recomendações antes da publicação. A diretriz atualizou recomendações sobre estadiamento, gerenciamento, acompanhamento, sobrevida a longo prazo, qualidade de vida e cuidados paliativos, além de orientações baseadas em evidência sobre preservação da fertilidade, câncer do colo do útero precoce e localmente avançado, câncer do colo do útero invasivo diagnosticado em uma amostra de histerectomia simples, câncer do colo do útero na gravidez, tumores raros, doenças recorrentes e metastáticas. Cibula e colegas também apresentam algoritmos de gestão e definem princípios de radioterapia e avaliação patológica.
O câncer cervical é um importante problema de saúde pública, classificando-se como a quarta causa mais comum de incidência e mortalidade por câncer em mulheres em todo o mundo. No Brasil, estimativas do INCA projetam 17.010 novos casos de câncer do colo do útero para cada ano do triênio de 2023 a 2025, correspondendo a um risco estimado de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres. Em regiões de menor IDH, permanece na segunda posição em termos de incidência, a exemplo das regiões Norte (20,48 por 100 mil) e Nordeste (17,59 por 100 mil).
A atualização das diretrizes é baseada em estudos de revisão sistemática da literatura publicados entre janeiro de 2017 e março de 2022, a partir da base de dados MEDLINE. Entre as recomendações gerais, o painel de especialistas incentiva o atendimento em centros especializados e redes de referência.
O planejamento do tratamento deve ser feito de forma multidisciplinar (geralmente em uma reunião de tumor board) e segundo o guideline deve considerar o conhecimento abrangente e preciso de fatores prognósticos e preditivos para o resultado oncológico, efeitos colaterais e qualidade de vida. As recomendações também incentivam a inscrição de pacientes com câncer cervical em ensaios clínicos.
O painel de especialistas lembra que a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou recentemente uma iniciativa global para ampliar as intervenções preventivas de triagem e tratamento com base na vacinação contra HPV, além do apelo da OMS para reforçar estratégias de tratamento de lesões cervicais pré-invasivas e invasivas.
Maria Del Pilar Estevez Diz, oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e da Rede D’Or, em São Paulo, observa que o desenvolvimento do tratamento do câncer de colo uterino é inequívoco, com a possibilidade de maior sobrevida, mas, para tanto, as escolhas também se tornam mais complexas. “Estas diretrizes detalham, de maneira muito objetiva, o tratamento do câncer de colo uterino, com os níveis de evidência e referências”, diz. A oncologista ressalta a necessidade do diagnóstico acurado, incluindo o status do HPV, importante fator prognóstico para estas mulheres; a avaliação patológica detalhada tanto da lesão inicial quanto de linfonodos e metástases; bem como a necessidade de um estadiamento preciso, que inclua a ressonância magnética da pelve para doença inicial (exceto para T1a com margens livres após a conização) e cuidadosa busca por metástases na doença avançada. “Além disso, é recomendado a adição de pembrolizumabe no tratamento de pacientes com doença metastática na primeira linha em tumores PD-L1 positivo; a necessidade de time multidisciplinar para a condução do caso, com experiência em câncer de colo uterino; e a importância de suporte adequado desde o início do tratamento”, acrescenta.
“Recomendo a leitura do artigo e sua utilização nas tomadas de decisão. Em um país continental como o nosso, com alta incidência e prevalência desse câncer e recursos escassos, estabelecer padrões de excelência para o tratamento do câncer de colo uterino é um desafio que precisa ser enfrentado”, conclui.
A íntegra das diretrizes de conduta de Cibula et al para câncer do colo do útero está disponível, em acesso aberto.
Referência: Cibula D, Raspollini MR, Planchamp F, et al. ESGO/ESTRO/ESP Guidelines for the management of patients with cervical cancer – Update 2023 *International Journal of Gynecologic Cancer 2023;33:649-666.