Alguns pacientes com câncer internados em cuidados paliativos têm sobrevida relativamente longa de 1 ano ou mais. Neste estudo caso-controle, Ferraz-Gonçalves e colegas buscaram identificar fatores associados à sobrevida prolongada de pacientes admitidos em um serviço de cuidados paliativos de um hospital oncológico público, onde são atendidos cerca de 10 mil novos casos a cada ano. O oncologista Auro del Giglio (foto), titular de Hematologia e Oncologia da Faculdade de Medicina do ABC, comenta os resultados.
A quantidade do tempo de vida não é o objetivo principal dos cuidados paliativos. No entanto, calcular a sobrevida dos pacientes é essencial por vários motivos, que passam por questões sensíveis envolvendo os pacientes e suas famílias, até a adequação das intervenções por parte dos profissionais de saúde. Os serviços de cuidados paliativos são muitas vezes associados a cuidados de fim de vida, daí a importância de tentar identificar fatores prognósticos associados à sobrevida mais longa (> 1 anos) de pacientes em cuidados paliativos.
Os pesquisadores compararam dados disponíveis de pacientes com câncer que sobreviveram mais de 1 ano após admissão em serviço de cuidados paliativos com pacientes com câncer que sobreviveram 6 meses ou menos. Os pacientes foram identificados através de prontuários eletrônicos de 2012 a 2018 e a análise previa 4 controles para cada caso.
Os resultados foram publicados em acesso aberto no Journal of Palliative Care , envolvendo 1.721 pacientes. Desses pacientes, 111 (6,4%) sobreviveram por pelo menos 1 ano e 363 (21,1%) foram incluídos como controles, de acordo com os critérios estabelecidos. Os autores descrevem que a proporção pretendida de casos-controles não pôde ser alcançada e foi de apenas 3,3:1.
A mediana de sobrevida dos casos foi de 581 dias (intervalo: 371-2763), enquanto a mediana de sobrevida dos controles foi de 57 dias (intervalo: 1-182). Na análise multivariada, pacientes com hemoglobina ≥ 10,6 g/dL e nível de creatinina >95 µmol/L tiveram maior probabilidade de viver mais de 1 ano. Em contraste, pacientes com cognição anormal, dor, anorexia, metástases hepáticas, status de desempenho do Eastern Cooperative Oncology Group >1 e relação neutrófilos/linfócitos ≥ 3,43 tiveram baixa probabilidade de viver mais de 1 ano.
“Os pacientes com câncer com maior probabilidade de sobreviver mais de 1 ano após a admissão em cuidados paliativos são aqueles com anemia leve ou sem anemia, sem creatinina baixa, com desempenho ECOG inferior a 2, com cognição normal, sem dor ou anorexia nem metástases hepáticas e uma baixa relação neutrófilos/linfócitos. O tipo de câncer também pode influenciar a sobrevida”, concluem os autores.
Em síntese, a análise aponta que vários fatores foram estatisticamente associados positiva ou negativamente com a sobrevida prolongada e indica que novos estudos são necessários para confirmar ou não esses achados.” Até onde sabemos, este é o primeiro estudo que trata dessa questão”, ressaltam.
Estudo aponta possíveis biomarcadores prognósticos em pacientes fora de possibilidades terapêuticas
Por Auro del Giglio, titular de Hematologia e Oncologia da Faculdade de Medicina do ABC
Este estudo exploratório retrospectivo caso-controle foi conduzido em Portugal e recém-publicado no Journal of Palliative Care. Os pesquisadores investigaram fatores associados a uma sobrevida prolongada em pacientes com câncer admitidos em cuidados paliativos, comparando pacientes que sobreviveram mais de um ano após admissão com aqueles que sobreviveram seis meses ou menos, entre 2012 e 2018. Dos 1721 pacientes identificados, 111(6,4%) sobreviveram por pelo menos um ano.
Fatores como hemoglobina ≥ 10,6 g/dL e níveis de creatinina >1.1 mg/dl (>95 µmol/L) foram associados a uma maior probabilidade de sobrevida prolongada, enquanto cognição anormal, dor, anorexia, metástases hepáticas, performance pela escala >1 e uma relação neutrófilo/linfócito ≥ 3,43 foram associados a menor probabilidade de sobrevida.
Os resultados indicam que a presença de desnutrição proteica indicada por níveis menores de creatinina associada a presença de inflamação sistêmica presente em pacientes com menores níveis de hemoglobina e maiores relações neutrófilo/linfócito parecem se associar a menor sobrevida global em pacientes com câncer avançado assistidos por paliativistas. Apesar das limitações metodológicas típicas de estudos retrospectivos, este estudo aponta para possíveis biomarcadores prognósticos em pacientes com tumores metastáticos fora de possibilidades terapêuticas.
Referência: Ferraz-Gonçalves JA, Alves A, Silva ÁJ, et al. Factors Associated With Long Survival in Patients With Cancer Admitted to Palliative Care: An Exploratory Study. Journal of Palliative Care. 2024;0(0). doi:10.1177/08258597241231005