Em 2025, o número de casos de câncer atribuíveis ao índice de massa corporal (IMC) elevado deve dobrar em relação a 2012, atingindo 29.490 novos casos, o que corresponde a 4,6% de todos os tumores que serão diagnosticados no país. Em 2012, a carga de câncer atribuível a sobrepeso/obesidade foi maior em mulheres, e mais pronunciada nas regiões sul e sudeste. “O principal objetivo é oferecer subsídios para a implementação de políticas públicas de prevenção em câncer”, afirma Leandro Fórnias Machado de Rezende (foto), pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e primeiro autor do estudo publicado online no periódico Cancer Epidemiology.
O índice de massa corporal (IMC) vem aumentando constantemente nas últimas décadas na maior parte do mundo, principalmente em países em desenvolvimento, como o Brasil. O IMC elevado (> 22kg/m2) está associado a um risco aumentado para 14 tipos de câncer.
Os estados do sul e sudeste apresentam maior prevalência de excesso de peso e obesidade, e apesar do estudo não se aprofundar nos determinantes que explicam essa diferença, os autores acreditam que seja um reflexo do maior consumo de alimentos ultraprocessados. “Existem estudos que indicam que o aumento do poder aquisitivo está diretamente relacionado com o consumo de alimentos ultraprocessados, e esses estados guardam semelhanças com as tendências observadas em países desenvolvidos. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo, a participação dos alimentos ultraprocessados no total calórico da dieta ultrapassa 50%. No Brasil, essa proporção ainda está em 20%, mas uma análise mais aprofundada certamente indicaria grandes diferenças regionais no consumo”, explica.
Os pesquisadores utilizaram as estimativas de incidência de câncer do GLOBOCAN e do Instituto Nacional do Câncer para avaliar até que ponto a redução do IMC elevado poderia impactar a incidência de câncer no país, tanto em nível nacional quanto regional e estadual.
Métodos e resultados
Foram calculadas as frações da incidência de câncer em 2012 atribuíveis ao IMC elevado, bem como projeções para casos atribuíveis em 2025, usando dados de IMC de pesquisas nacionais representativas e riscos relativos publicados em meta-análises.
Entre todos os novos casos de câncer diagnosticados no Brasil em 2012, 15.465 (3,8%) foram atribuíveis ao IMC elevado, com uma carga maior em mulheres (5,2%) do que em homens (2,6%).
Entre os tipos de câncer que mais contribuíram com casos atribuíveis ao IMC elevado estão câncer de mama (n = 4777), útero (n = 1729) e cólon (n = 681) em mulheres; e cólon (n = 1062), próstata (n = 926) e fígado (n = 651) em homens. As maiores frações populacionais atribuíveis para todos os tipos de câncer foram encontradas nos estados mais desenvolvidos do país, localizados no sul (1,5% homens / 3,4% mulheres) e no sudeste (1,5% homens / 3,3% mulheres) do país.
Os autores concluíram que os casos de câncer atribuíveis ao alto IMC atingirão 29.490, o que corresponderá a 4,6% de todos os cânceres no Brasil em 2025, com maior frequência em mulheres (6,2% ou 18.837) em comparação com os homens (3,2% ou 10.653).
Os resultados podem ser uma ferramenta importante para apoiar o desenvolvimento de políticas públicas e futuras estratégias de prevenção do câncer no Brasil. Leandro cita como exemplo a experiência do Reino Unido e do México, países que conseguiram implementar uma taxação em bebidas açucaradas como refrigerantes e sucos ultraprocessados e têm observado uma redução bastante importante no consumo desses produtos. “A redução do sobrepeso e obesidade passa, inevitavelmente, por uma taxação adequada desses produtos, pela regulação de venda e por medidas corretas de rotulagem desses alimentos. Atualmente, os alimentos comercializados no Brasil são muito mal rotulados, o consumidor não sabe exatamente o que está adquirindo”, observa o pesquisador, que faz um paralelo com o tabagismo. “Depois de tantas políticas públicas que o Brasil conseguiu implementar, quem compra cigarro hoje sabe exatamente os malefícios que o produto pode causar. O mesmo não é observado em produtos alimentícios. Não são informados os riscos relacionados ao consumo do alimento, a proporção de açúcar, os ingredientes. É preciso uma rotulagem com linguagem simples, não técnica-cientifica, que consiga informar corretamente a população”, ressalta.
A educação médica também é importante. Enquanto a relação entre tabagismo e câncer é muito clara para a classe médica, a obesidade ainda está muito associada a doenças cardiovasculares e diabetes, mas ainda não se tem um reconhecimento tão grande de sua relação com o câncer. “Acho que a formação médica é muito voltada para o tratamento, e questões como prevenção e promoção de saúde acabam sendo um pouco negligenciadas. O reconhecimento do que é uma alimentação saudável, os benefícios da atividade física, o aconselhamento e acompanhamento dos pacientes com uma equipe multidisciplinar, com a participação de nutricionistas e educadores físicos, poderia contribuir enormemente”.
Leandro acredita ainda que uma mudança no ambiente possa ser favorável para que as pessoas adotem um estilo de vida mais ativo. “Uma malha cicloviária bem construída, segura, já seria um bom começo”, conclui.
Referência: The increasing burden of cancer attributable to high body mass index in Brazil - Leandro Fórnias Machado de Rezende et al - Cancer Epidemiology, Volume 54, June 2018, Pages 63-70 - Available online 28 March 2018 - https://doi.org/10.1016/j.canep.2018.03.006