Em um novo estudo com participação do Lawson Health Research Institute e da Schulich School of Medicine & Dentistry da Western University, pesquisadores identificaram que a mutação do gene ATRX pode aumentar o risco de desenvolver pancreatite e câncer de pâncreas em mulheres. “Múltiplas anormalidades genéticas são comumente encontradas no adenocarcinoma de pâncreas, incluindo a ativação de oncogenes como KRAS, a inativação de genes supressores tumorais como TP53, CDKN2A e SMAD4 e a inativação de genes de manutenção genômica como MLH1 e MSH2. Mutações somáticas de ATRX são identificadas em pacientes com tumores neuroendócrinos de pâncreas ou com glioblastoma, mas seu papel no adenocarcinoma pancreático é pouco conhecido”, observa o oncologista Duílio Reis da Rocha Filho (foto), chefe do serviço de oncologia clínica do Hospital Universitário Walter Cantídio, da Universidade Federal do Ceará, e consultor científico do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG).
A equipe de pesquisa analisou os efeitos da mutação de ATRX no pâncreas adulto usando modelos pré-clínicos. Eles deletaram o gene ATRX e então estudaram seu efeito na suscetibilidade ao câncer de pâncreas. Os resultados mostram que a eliminação do gene nas fêmeas aumentou a suscetibilidade à pancreatite e a progressão da doença para câncer de pâncreas. Nos machos, a mutação não aumentou o risco de lesão pancreática e reduziu a progressão para o câncer. “Em combinação com KRAS, células acinares com deficiência em ATRX mostraram aumento de fibrose, inflamação e progressão para metaplasia acinar-ductal, com lesões pré-malignas”, descrevem os autores, sublinhando que o achado foi observado exclusivamente em fêmeas.
Os resultados pré-clínicos da equipe foram comparados com amostras humanas do banco de dados do International Cancer Genome Consortium, que inclui análise de sequenciamento do genoma completo para 729 pacientes. A equipe de pesquisa identificou que 19% dos pacientes carregavam uma mutação ao longo do comprimento do gene ATRX, incluindo regiões não-codificadoras, e que 70% desses pacientes eram do sexo feminino. “O câncer de pâncreas é uma doença devastadora que frequentemente é diagnosticada muito tarde. Os pacientes geralmente não respondem às terapias disponíveis e o tempo médio de vida é inferior a seis meses após o diagnóstico”, diz Chris Pin, PhD, pesquisador do Lawson e professor associado da Schulich Medicine & Dentistry. "Precisamos detectar a doença muito mais cedo", analisa.
A pancreatite é um dos fatores de risco mais significativos para o desenvolvimento do câncer de pâncreas. Embora mais pesquisas sejam necessárias, o estudo sugere que as mulheres com pancreatite podem ser consideradas como uma população de alto risco que deve ser rastreada para essa mutação genética.
Entender o papel da ATRX no câncer de pâncreas pode resultar em novos alvos terapêuticos e no desenvolvimento de novos marcadores para detecção precoce.
“O estudo mostrou que a perda de ATRX promoveu injúria pancreática e suscetibilidade ao dano mediado por KRAS em animais do sexo feminino. A associação da perda de ATRX com o sexo feminino também é descrita em humanos com câncer de pâncreas, e gera a hipótese de que a alteração molecular identifique um subtipo específico da doença com especificidade por gênero”, explica Duílio. “Pode-se especular que uma alteração da sinalização hormonal promovida pela perda de ATRX ou uma maior suscetibilidade a fatores promotores de inflamação no sexo feminino justifiquem esse achado”, acrescenta.
O especialista acrescenta que o prognóstico do adenocarcinoma de pâncreas é sombrio, e cerca de 80% dos pacientes são diagnosticados com doença avançada. Um esforço para a detecção de alterações moleculares que possam abrir um caminho para o diagnóstico precoce da doença seria de enorme importância, e a identificação de ATRX como um gene de suscetibilidade pode trazer um novo elemento nesse cenário. “A publicação de Young et al. gera a hipótese de que a pesquisa do gene poderia ser usada, por exemplo, para identificar indivíduos de alto risco em uma população de mulheres com pancreatite crônica”, observa.
“Por outro lado, ainda que a perda de ATRX aumente o risco de desenvolvimento do câncer de pâncreas, a presença da alteração molecular não significa que um indivíduo irá desenvolver a doença. É preciso compreender melhor o papel da mutação e de que forma ela interage com outros fatores de risco para induzir carcinogênese. Infelizmente, estratégias de rastreamento do câncer de pâncreas ainda estão longe da prática clínica”, conclui Duílio.
Referências: Young, C. C., Baker, R. J., Howlett, C. J., Hryciw, T., Herman, J. E., Higgs, D., … Pin, C. L. (2018). The Loss of ATRX Increases Susceptibility to Pancreatic Injury and Oncogenic KRAS in Female But Not Male Mice. Cellular and Molecular Gastroenterology and Hepatology. doi:10.1016/j.jcmgh.2018.09.004