Onconews - Uso de aspirina e risco de carcinoma hepatocelular

Renata DAlpino 2018 NET OKExiste associação entre a dose e a duração do uso de aspirina e o risco de desenvolver carcinoma hepatocelular (CHC)? Estudo publicado no JAMA Oncology sugere que o uso regular e em longo prazo da aspirina está associado a uma redução dose-dependente do risco de CHC após 5 ou mais anos de uso. Associações semelhantes não foram encontradas com anti-inflamatórios não-esteroides (NSAIDs) não aspirina. “Trata-se de um estudo retrospectivo observacional interessante por mostrar efeito dose-resposta e dose-duração do uso de aspirina na prevenção de HCC em uma enorme coorte de pacientes, independente da presença ou não de cirrose, embora estudos prospectivos sejam necessários para validar tal associação”, avalia a oncologista Renata D'Alpino (foto), coordenadora de Tumores Gastrointestinais e Neuroendócrinos do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e membro do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG) analisa os resultados.

O estudo de base populacional de duas coortes prospectivas nos Estados Unidos envolveu 87.507 homens e 45.864 mulheres. O objetivo foi examinar os potenciais benefícios do uso de aspirina para a prevenção primária de CHC em uma variedade de doses e durações de uso.

Métodos

Os pesquisadores realizaram uma análise agrupada de dois estudos de coorte prospectivos dos EUA: o Nurses’ Health Study e o Health Professionals Follow-up Study. Os dados foram acessados entre 1º de novembro de 2017 e 7 de março de 2018. Um total de 133.371 participantes relataram dados sobre o uso de aspirina, frequência, dosagem e duração de uso desde 1980 (mulheres) e 1986 (homens). Indivíduos com um diagnóstico de câncer no início do estudo (exceto câncer de pele não melanoma) foram excluídos.

Entre os 133.371 participantes, 87.507 eram mulheres e 45.864 eram homens. Ao longo de mais de 26 anos de follow-up, abrangendo 4.232.188 pessoas-ano, 108 casos de CHC incidentes (65 mulheres, 43 homens) foram documentados.

Em comparação com o uso não regular, o uso regular de aspirina (≥2 comprimidos de dose padrão [325 mg] por semana) foi associado a um risco reduzido de CHC (HR ajustado, 0,51; 95% IC, 0,34-0,77). Esse benefício pareceu estar relacionado à dose: comparado com o não uso, a HR ajustada multivariada para CHC foi de 0,87 (95% IC, 0,51-1,48) para até 1,5 comprimidos de dose padrão por semana, 0,51 (95% IC, 0,30-0,86 ) para 1,5 a 5 comprimidos por semana, e 0,49 (IC 95%, 0,28-0,96) para mais de 5 comprimidos por semana (P for trend = .006).

Um risco de CHC significativamente menor também foi observado com o aumento da duração (P for trend = .03); esta diminuição foi aparente com o uso de 1,5 ou mais comprimidos de aspirina em dose padrão por semana durante 5 ou mais anos (HR ajustada, 0,41; 95% CI, 0,21-0,77). O uso de anti-inflamatórios não-esteroides (NSAIDs) não aspirina não foi significativamente associado ao risco de CHC (HR ajustado, 1,09; IC95%, 0,78-1,51).

Os resultados sugerem que o uso de pelo menos 1,5 comprimidos padrão de aspirina por semana foi associado a uma diminuição de 49% do risco de desenvolver carcinoma hepatocelular e pode representar uma estratégia viável para a prevenção primária da doença; no entanto, os potenciais benefícios devem ser cuidadosamente avaliados e equilibrados com os riscos. Mais pesquisas são necessárias para esclarecer se o uso de aspirina representa uma estratégia viável para a prevenção primária contra o CHC.

Segundo Renata, biologicamente os resultados fazem sentido, uma vez que a COX2 costuma estar hiperexpressa em HCC. “No entanto, eventuais benefícios devem ser pesados contra os riscos do uso crônico de aspirina, especialmente sangramento numa população sob risco de desenvolver HCC (varizes de esôfago, plaquetopenia, etc)”, observa.

Referência: Association Between Aspirin Use and Risk of Hepatocellular Carcinoma – Tracey G. Simon et al - JAMA Oncol. Published online October 4, 2018. doi:10.1001/jamaoncol.2018.4154