Jessé Lopes da Silva (foto) é primeiro autor de estudo que analisou fatores e tendências associados ao local de morte por câncer no Brasil, no período de 2002 a 2021. A oncologista Andreia Cristina de Melo é autora sênior (na foto, à direita). Os resultados foram publicados no Lancet Regional Health Americas e mostram que apenas 17,7% das mortes por câncer no Brasil ocorrem no domicílio, com tendências distintas ao longo do tempo, associadas a diferenças regionais, raciais e de nível educacional.

O local da morte afeta profundamente a qualidade dos cuidados de fim de vida, particularmente no caso do câncer. “Ajudar os indivíduos em casa aumenta o apoio, a privacidade e o controle, reduzindo os custos com saúde”, destacam os pesquisadores, que sublinham aspectos subjetivos e a complexidade do processo de morrer, influenciado por fatores como estigma social, normas culturais e experiências pessoais. “Uma extensa pesquisa elucidou as preferências dos indivíduos em relação aos cuidados de fim de vida, mostrando que uma proporção significativa, variando de 49% a 100% dos participantes pesquisados, expressa o desejo de receber cuidados e falecer em suas próprias casas”, descrevem.

Neste estudo, Andreia de Melo e colegas utilizaram dados do Sistema Nacional de Informações sobre Mortalidade, de onde extraíram a topografia tumoral, as características sociodemográficas e o local do óbito (hospitalar ou domiciliar) por câncer no Brasil no período de 2002 a 2021.

A análise incluiu 3.677.415 casos e revela que 82,3% dos óbitos ocorreram em hospitais e 17,7% em domicílio. A maioria dos participantes era do sexo masculino (53,1%), apresentava tumores gastrointestinais (32,2%) e residia na região Sudeste (48,7%). Os autores mostram forte correlação inversa entre as mortes domiciliares e o Índice de Desenvolvimento Humano da região, considerando que os óbitos domiciliares foram mais frequentes nas regiões Nordeste (30,2%) e Norte (24,8%) em comparação às regiões Sul (17,1%) e Sudeste (12,2%).

Ao longo dos anos, houve redução nas mortes domiciliares, seguida de um aumento recente. “Indivíduos sem escolaridade formal, indígenas e pacientes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentaram maiores taxas de óbitos domiciliares, enquanto pacientes com neoplasias hematológicas apresentaram taxas mais baixas em comparação com aqueles com tumores gastrointestinais”, revela a análise.

A publicação destaca a ausência de um programa nacional bem coordenado para garantir cuidados dignos de fim de vida para pacientes com câncer no Brasil. Esses resultados destacam objetivamente as mortes domiciliares no tratamento do câncer como um indicador negativo do sistema de saúde pública do país. Muito ao contrário, nos países desenvolvidos, morrer em casa pode indicar melhores cuidados de fim de vida, com apoio de saúde adequado.

Em síntese, o estudo indica que os hospitais são o principal local de morte por câncer no Brasil, com menos mortes ocorrendo no domicílio e padrões variados ao longo do tempo. A taxa identificada de 17,7% de mortes em ambientes residenciais está em linha com resultados relatados anteriormente. “Neste contexto, os fatores que contribuem para as mortes em casa incluem as baixas taxas de alfabetização, a etnia indígena e a residência em regiões subdesenvolvidas, realçando disparidades sociodemográficas consideráveis”, sublinham os autores.

A publicação revela, ainda, que importante avaliação, baseada em insights de 181 especialistas, representando 81 países, o equivalente a mais de 80% da população global, destacou a classificação do Brasil em 79º lugar em qualidade de cuidados paliativos. Esta análise enfatiza o Brasil como um dos locais menos favoráveis para cuidados de fim de vida, superando apenas nações que enfrentam desafios de desenvolvimento significativos ou fortes crises sociopolíticas como o Líbano (80º) e o Paraguai (81º) em escala global.

Além de Jessé Lopes da Silva (INCA) e Andréia Cristina de Mello (INCA), o trabalho tem como coautores os pesquisadores Sarah Ananda Gomes, Lívia Costa de Oliveira, Lucas Zanetti de Albuquerque (INCA), Lívia Machado Moura e Luiz Claudio Santos Thuler (INCA).

A íntegra do estudo está disponível em acesso aberto.

Referência:

Published:May 14, 2024 DOI: https://doi.org/10.1016/j.lana.2024.100764