Onconews - Estudo mostra prevalência de dor crônica em sobreviventes de câncer

carlos paiva paliativos barretos bxEstudo que avaliou a prevalência de dor crônica e dor crônica de alto impacto entre os sobreviventes de câncer nos Estados Unidos mostrou que um em cada três sobreviventes sofre as consequências da dor crônica, quase o dobro do verificado na população geral, com prejuízos importantes na qualidade de vida, menor adesão ao tratamento e maiores custos com assistência à saúde. O trabalho foi publicado no Jama Oncology. O oncologista Carlos Paiva (foto), pesquisador do Grupo de Pesquisa em Cuidados Paliativos e Qualidade de Vida e coordenador do Programa Acadêmico de Pós-Graduação do Hospital do Amor (Hospital de Câncer de Barretos), comenta os resultados.

A pesquisa utilizou  dados do National Health Interview Survey (2016-2017) e coletou informações sobre dor crônica (dor na maioria dos dias ou todos os dias nos últimos 6 meses) e dor crônica de alto impacto, definida como aquela que limita a vida ou as atividades de trabalho na maior parte dos dias ou todos os dias nos últimos 6 meses.

A prevalência foi calculada e estratificada por características sociodemográficas e tipo de câncer. Os entrevistados com câncer de pele não-melanoma e aqueles que tiveram diagnóstico de câncer antes dos 18 anos foram excluídos da análise.  As definições adotadas foram consistentes com a proposta do National Pain Strategy Population Research Workgroup e os achados ampliam a compreensão da epidemiologia da dor em sobreviventes, além de poder contribuir para informar prioridades e políticas educacionais futuras.

Em 2016, o número de sobreviventes de câncer chegou a 15,5 milhões de pessoas nos Estados Unidos e estimativas projetam 26,1 milhões até 2040, refletindo o envelhecimento da população e os avanços nos métodos de detecção e tratamento. A dor crônica é um dos efeitos de longo prazo mais comuns do tratamento oncológico.

Resultados

Do total de 59.770 participantes do Inquérito foram identificados 4526 sobreviventes de câncer. Desses 4526 sobreviventes, 1648 relataram ter dor crônica (34,6%, IC 95%, 32,7% -36,5%) e 768 relataram dor crônica de alto impacto (16,1%, 95% CI, 14,8% -17,5%), representando aproximadamente 5,39 milhões e 2,51 milhões de sobreviventes de câncer na população dos EUA, respectivamente. Não foram observadas diferenças significativas na prevalência de dor crônica ou dor crônica de alto impacto por idade, sexo, estado civil ou região.

A maior prevalência de dor crónica e dor crônica de alto impacto foi observada entre os sobreviventes com menor escolaridade (prevalência ajustada de 39,2% para dor crônica e 18,5% para dor de alto impacto entre indivíduos com ensino médio), baixa renda familiar (44,6% e 22,8%, respectivamente), e seguro público (para aqueles entre 18 e 64 anos, com 43,6% e 27,1%, respectivamente) ou desempregados (38,5% e 20,4%, respectivamente).

A prevalência ajustada de dor crônica foi maior entre sobreviventes de câncer ósseo (54,0%), renal (52,3%), garganta-faringe (47,9%) e uterino (44,5%). O tempo desde o diagnóstico não foi significativamente associado à prevalência da dor crônica ou da dor crônica de alto impacto, mais prevalentes em sobreviventes que estavam desempregados e que tinham baixo status socioeconômico, seguro inadequado e antecedentes de tipos específicos de câncer. 

Ao contrário da percepção geral de maior prevalência de dor em mulheres do que em homens, não foram encontradas diferença estatisticamente significativas por sexo, o que segundo os autores pode refletir o poder estatístico insuficiente do estudo diante do tamanho limitado da amostra, ou, ainda, que a dor induzida pelo câncer acabou diluindo a diferença relativa.

Em conclusão, a prevalência da dor crônica e da dor de alto impacto é elevada entre os sobreviventes de câncer nos Estados Unidos em comparação com a população geral norte-americana, sugerindo a presença de importantes necessidades não satisfeitas entre os sobreviventes de câncer.

“Considerando uma visão mais abrangente dos Cuidados de Suporte em oncologia, torna-se importante ressaltar a necessidade de rastrear necessidades não resolvidas e/ou sintomas desconfortáveis (como dor, por exemplo) não apenas em pacientes em final de vida ou recebendo tratamento antineoplásico, mas também naqueles considerados sobreviventes. Os sobreviventes de câncer reportam com freqüência dor, fadiga, problemas psicossociais e disfunção sexual, dentre outros problemas”, observa o oncologista Carlos Paiva.

Segundo o especialista, a Research Letter publicada no JAMA Oncology reporta dados importantes norte-americanos sobre a prevalência de dor crônica e dor crônica de alto impacto que sugerem a necessidade de criação de programas dedicados ao rastreamento e controle de sintomas em pacientes sobreviventes de câncer em Centros Oncológicos no Brasil. “Embora não tenhamos dados brasileiros, é provável que a prevalência seja ainda mais elevada, especialmente em usuários do sistema público de saúde e com acesso difícil ao sistema de saúde. Estudos brasileiros precisam focar nessa população, que ainda é, de certa maneira, negligenciada”, afirma.

Paiva ressalta que por se tratar de um estudo transversal, com análise de dados obtidos por survey eletrônico, uma limitação do estudo é um possível viés relacionado à capacidade dos participantes em se lembrar de todas as informações de forma acurada. “Além disso, o estudo não detalhou informações sobre as características da dor e a possível relação com o tratamento realizado para tratar o câncer. Aspectos do domínio psicossocial e financeiro podem interferir nas percepções de dor crônica, assim como questões relacionadas às comorbidades e atividades laborais, e estas informações não foram abordadas no estudo. Pesquisas subseqüentes precisam esclarecer quais tipos de dor crônica são mais prevalentes e como os serviços de atenção aos sobreviventes do câncer poderiam ser organizados em nosso país”, conclui.

Referência: Jiang, C., Wang, H., Wang, Q., Luo, Y., Sidlow, R., & Han, X. (2019). Prevalence of Chronic Pain and High-Impact Chronic Pain in Cancer Survivors in the United States. JAMA Oncology. doi:10.1001/jamaoncol.2019.1439