Resultados de estudo de fase 2 relatados no Lancet por pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center mostram que a radioterapia corporal estereotáxica (SBRT) aumentou a sobrevida livre de progressão (SLP) em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) com oligoprogressão, levando a um aumento de mais de quatro vezes na SLP comparada ao tratamento padrão. Os radio-oncologistas Eduardo Barbieri e Gabriel Faria Najas (foto) comentam os resultados.
Pacientes com câncer metastático eventualmente desenvolvem resistência à terapia sistêmica e alguns apresentam progressão limitada da doença (ou seja, oligoprogressão). Neste estudo randomizado de fase 2 (NCT03808662) foram elegíveis pacientes com câncer de mama metastático oligoprogressivo ou câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) após terem recebido pelo menos terapia sistêmica de primeira linha, com oligoprogressão definida como cinco ou menos lesões progressivas na PET-CT ou tomografia computadorizada (TC). O objetivo foi avaliar se a radioterapia corporal estereotáxica (SBRT) direcionada a locais oligoprogressivos poderia melhorar os resultados dos pacientes.
Pacientes com 18 anos ou mais foram inscritos em um centro terciário de câncer em Nova York, EUA, e em seis centros regionais afiliados nos estados de Nova York e Nova Jersey. Os pacientes elegíveis foram randomizados (1:1) para receber o tratamento padrão exclusivo (grupo controle) ou o padrão de tratamento associado a SBRT (grupo SBRT). O endpoint primário foi a SLP, medida até 12 meses. O estudo também incluiu análise de subgrupo pré-especificada de SLP por local da doença. Todas as análises foram feitas na população com intenção de tratar.
De 1º de janeiro de 2019 a 31 de julho de 2021, foram randomizados 106 pacientes para tratamento padrão (n=51; 23 pacientes com câncer de mama e 28 pacientes com CPCNP) ou SBRT mais tratamento padrão (n=55; 24 pacientes com câncer de mama e 31 pacientes com CPCNP). Dezesseis (34%) dos 47 pacientes com câncer de mama apresentavam doença triplo-negativa e 51 (86%) dos 59 pacientes com CPCNP não apresentavam mutação acionável. O estudo foi encerrado para recrutamento antes de atingir o tamanho da amostra-alvo, após o endpoint primário de eficácia ter sido atingido durante uma análise interina pré-planejada.
Em um seguimento mediano de 11,6 meses para pacientes no grupo de tratamento padrão e de 12,1 meses para pacientes no grupo SBRT, os autores descrevem que a sobrevida livre de progressão mediana foi de 3,2 meses (IC 95% 2,0–4,5) para pacientes no grupo de tratamento padrão versus 7,2 meses (4,5–10,0) para pacientes no grupo SBRT (hazard ratio [HR] 0,53, IC 95% 0,35–0,81; p=0,0035). A mediana da sobrevida livre de progressão foi maior para pacientes com CPCNP no grupo SBRT do que para aqueles com CPCNP no grupo de tratamento padrão (10,0 meses [7,2 – não alcançado] vs 2,2 meses [95% IC 2,0–4,5]; HR 0,41, IC 95% 0,22–0,75; p=0,0039), mas nenhuma diferença foi encontrada para pacientes com câncer de mama (4,4 meses [2 ·5–8·7] vs 4·2 meses [1·8–5·5]; 0·78, 0·43–1·43; p=0·43).
Eventos adversos de grau 2 ou pior ocorreram em 21 (41%) pacientes no grupo de tratamento padrão e 34 (62%) pacientes no grupo SBRT. Nove (16%) pacientes no grupo SBRT apresentaram toxicidades de grau 2 ou pior relacionadas ao SBRT, incluindo doença do refluxo gastrointestinal, exacerbação da dor, pneumonite por radiação, plexopatia braquial e contagens sanguíneas baixas.
“O estudo mostrou que a sobrevida livre de progressão foi aumentada no grupo SBRT mais tratamento padrão em comparação com o tratamento padrão. A oligoprogressão em pacientes com CPCNP metastático poderia ser efetivamente tratada com SBRT mais tratamento padrão. Por outro lado, nenhum benefício foi observado em pacientes com câncer de mama oligoprogressivo”, concluem os autores, acrescentando que mais pesquisas são necessárias para validar esses achados.
“Esta publicação confirma análises interinas anteriores que mostram benefício em sobrevida livre de progressão no câncer de pulmão de células não pequenas, ao contrário do que ocorre com as neoplasias de mama quando se acrescenta radioterapia estereotáxica corpórea. Possível explicação é que pacientes com câncer de mama metastático constituem uma população geral muito diversa e nem todos os cenários clínicos podem ter sido capturados nos estudos BR002 e CURB e 34% das pacientes eram triplo-negativas, para as quais a terapia anti-EGFR oferece impacto na sobrevida”, analisa Eduardo Barbieri, radio-oncologista do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC).
Barbieri esclarece que a Radioterapia Estereotáxica Corpórea (SBRT) é um tipo de radioterapia em que um pequeno número de frações (1 a 5) de altas doses de radiação é administrado a um volume-alvo, usando equipamento de alta precisão, a fim de maximizar o controle do câncer e, ao mesmo tempo, minimizar os efeitos colaterais nos tecidos saudáveis. Requer restrição do movimento interno do volume-alvo e é altamente eficaz em proporcionar o controle local. “Atualmente, discute-se oferecer tratamento curativo para pacientes oligometastáticos, embora ainda faltem marcadores que indiquem quais pacientes experimentarão uma longa sobrevida livre de progressão”, acrescenta o especialista do IBCC, para quem este estudo do CURB group mostra a promissora adição de SBRT no tratamento de oligometástases em CPCNP.
Gabriel Faria Najas, radio-oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) lembra que desde a publicação do SABR-COMET a radioterapia estereotáxica corpórea vem ganhando espaço no tratamento de pacientes metastáticos, em conjunto com o avanço do tratamento sistêmico, concorrendo cada vez mais para um ganho importante em sobrevida nesta população. “Porém, a seleção dos pacientes, levando em conta o tumor primário, a biologia tumoral e o timming ideal ainda são perguntas sem respostas claras. Neste contexto o CURB trial surge como evidência importante para guiar o tratamento dos pacientes com CPCNP, a sua utilização no contexto de oligoprogressão após primeira linha mostra um ganho de sobrevida livre de progressão, e a possibilidade de manter o paciente em uso de um tratamento sistêmico ainda eficaz. Infelizmente, assim como visto no BR-002, ainda é necessário um maior entendimento do papel da SBRT neste contexto para pacientes com câncer de mama.
O estudo foi financiado pelo Instituto Nacional do Câncer dos EUA e está registrado na plataforma ClinicalTrials.gov: NCT03808662.
Referência: DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(23)01857-3