A análise do DNA tumoral circulante pode estratificar o risco de câncer em pacientes sintomáticos. É o que sugerem resultados de estudo observacional realizado no Serviço Nacional de Saúde (NHS) da Inglaterra e País de Gales, indicando que nesta primeira avaliação prospectiva em larga escala um teste de diagnóstico precoce multicâncer baseado em metilação (MCED) demonstrou viabilidade para auxiliar os médicos nas decisões sobre urgência e rota de encaminhamento da atenção primária.
Neste estudo multicêntrico, prospectivo e observacional foram considerados participantes com idade ≥ 18 anos atendidos em hospitais do NHS, referidos com sintomas inespecíficos ou potencialmente associados a câncer ginecológico, pulmonar ou gastrointestinal . A ampla distribuição geográfica dos locais de recrutamento incluiu grandes centros especializados de alto volume e hospitais menores para capturar a variedade de status socioeconômicos e etnias representativos do Reino Unido.
Os participantes inscritos forneceram uma amostra de sangue, excluídos aqueles com histórico de malignidade invasiva ou hematológica diagnosticada nos últimos 3 anos ou em tratamento com agentes citotóxicos ou desmetilantes que pudessem interferir no teste.
Os pacientes elegíveis foram acompanhados até a resolução diagnóstica ou até 9 meses. O DNA livre de células foi isolado e o teste MCED foi realizado cego para o resultado clínico. Os pesquisadores compararam as previsões de MCED com o diagnóstico obtido pelo tratamento padrão para estabelecer os resultados primários de valor preditivo positivo e negativo, assim como a sensibilidade e especificidade do teste.
Os resultados revelam que 6.238 participantes foram recrutados entre 7 de julho e 30 de novembro de 2021, em 44 hospitais. De 5.851 participantes avaliáveis clinicamente, 376 não tiveram nenhum resultado do teste MCED e 14 não tiveram nenhuma informação quanto ao diagnóstico final, resultando em 5.461 participantes incluídos na análise com teste MCED avaliável, sendo 368 [6,7%] com diagnóstico de câncer e 5.093 [93,3%] sem diagnóstico de câncer.
Da população avaliável, a mediana de idade foi de 61,9 anos (IQR 53,4–73,0), 3.609 (66,1%) eram mulheres e 1.852 (33,9%) homens. O teste MCED detectou um sinal de câncer em 323 casos, dos quais 244 cânceres foram diagnosticados, produzindo um valor preditivo positivo de 75,5% (95% CI 70,5–80,1), valor preditivo negativo de 97,6% ( 97·1–98·0), sensibilidade de 66,3% (61·2–71·1) e especificidade de 98,4% (98·1–98·8).
Os autores destacam que a sensibilidade aumentou com o aumento da idade e do estágio do câncer, de 24,2% (IC 95% 16,0–34,1) no estágio I para 95,3% (88,5–98,7) no estágio IV. Para os casos em que um sinal de câncer foi detectado entre pacientes com câncer, a previsão do local de origem do teste MCED foi precisa em 85,2% (95% CI 79,8–89,3) dos casos. Sensibilidade de 80,4% (95% CI 66,1–90,6) e valor preditivo negativo de 99,1% (98,2–99,6) foram mais altos para pacientes com sintomas que exigem investigação para câncer gastrointestinal superior.
“Nossos dados fornecem a base para um estudo prospectivo e de intervenção em pacientes que se apresentam à atenção primária com sinais e sintomas inespecíficos”, concluem os autores, destacando que os resultados deste estudo (SYMPLIFY) apontam a viabilidade do teste MCDE, com sensibilidade de 66,3% (95% CI 61,2–71,1) e especificidade de 98,4% (98,1–98,8) na coorte avaliada.
“Até onde sabemos, este é o maior estudo de coorte prospectivo de pacientes sintomáticos encaminhados para investigação de câncer”, sublinham os pesquisadores, acrescentando que a alta especificidade geral, valores preditivos positivos e probabilidades pós-teste para sinais de câncer detectados indicam que, se positivo, o teste MCED atual pode ser usado para confirmar que os pacientes encaminhados devem ser investigados para câncer. Por outro lado, a sensibilidade moderada não é suficiente para desviar pacientes com resultados negativos, considerando que esses pacientes já se qualificam para investigação com base em sua apresentação clínica, exceto para vias gastrointestinais superiores.
Este estudo está registrado no ISRCTN (ISRCTN10226380) e a íntegra está disponível em acesso aberto no Lancet Oncology.
Referência: Multi-cancer early detection test in symptomatic patients referred for cancer investigation in England and Wales (SYMPLIFY): a large-scale, observational cohort study - Brian D Nicholson, Jason Oke, Pradeep S Virdee, Prof Dean A Harris, Catherine O'Doherty, John ES Park, MD et al. - Open Access Published: June 20, 2023 DOI: https://doi.org/10.1016/S1470-2045(23)00277-2