Depois de um evento adverso imunomediado de grau 2 ou superior, é seguro uma re-exposição a inibidores anti PD-1/PD-L1? Estudo de coorte com 93 adultos franceses que foram novamente tratados com imunoterapia após evento imunomediado de grau 2 ou superior mostrou que 55% tiveram um segundo evento e que a re-exposição parece ser aceitável. Os resultados foram publicados no JAMA Oncology. O oncologista Fernando Santini (foto), médico do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, analisa os resultados.
Nesta análise retrospectiva foram considerados pacientes adultos encaminhados ao ImmunoTOX, um grupo multidisciplinar de avaliação de imunotoxicidade do Institute Gustave Roussy, em Villejuif, França, atendidos entre 1º de agosto de 2015 e 31 de dezembro de 2017. O estudo envolveu pacientes que receberam anti PD-1/PD-L1 após a ocorrência de evento adverso imunomediado de grau 2 ou superior. Os dados foram analisados de 28 de maio a 25 de novembro de 2018.
Dos 159 pacientes encaminhados para o ImmunoTOX durante o período do estudo, 93 cumpriram os critérios de inscrição, sendo 52% do sexo feminino, com mediana de idade de 62,5 (33-85) anos. Os principais tipos de câncer nessa população foram melanoma (33%), pulmão (16%), colorretal (9%) e linfoma (9%). Foram identificados 43 eventos de grau 2 (46%), 36 eventos de grau 3 (39%) e 14 eventos de grau 4 (15%).
As reações adversas imunorrelacionadas (irAE) mais frequentes foram hepatite, especialmente hepatite viral (18%), toxicidade cutânea (15%), pneumonite (14%), colite (12%), artralgia (7,5%), elevação da lipase (6,5%), eventos hematológicos ( 6,5%), eventos endócrinos (6 ,5%), eventos músculo relacionados (4%), eventos neurológicos (4%), eventos nefrológicos (2%) e cardíacos (1%). Durante o acompanhamento, 1 paciente morreu em consequência de evento hematológico de grau 4 (anemia aplástica relacionada ao sistema imunológico).
Mais da metade das irAEs (53%) foram tratadas com esteroides e 7 pacientes (7,5%) necessitaram de drogas anti-reumáticas ou imunossupressoras para o manejo dessas irAEs.
Quarenta pacientes (43%) foram novamente expostos ao mesmo agente anti-PD-1 ou anti-PD-L1. Após um período médio de acompanhamento de 14 meses, a mesma irAE ou outra irAE ocorreu em 22 pacientes (55%).
Os grupos re-expostos e não re-expostos à imunoterapia não diferiram estatisticamente de forma significativa em relação ao tempo mediano de sobrevida livre de progressão (SLP=19,1 meses; IC95% 17- não atingido versus 23,6 meses; IC95% 10.2 - não atingido). No grupo re-exposto à imunoterapia (n = 40), 9 pacientes alcançaram resposta parcial, 17 tiveram doença estável, 4 tiveram doença progressiva e 10 não foram avaliados radiologicamente. A SLP mediana foi de 21,5 meses entre aqueles com resposta parcial, 15,8 meses entre aqueles com doença estável e 15,8 meses entre pacientes com doença progressiva.
Para os autores, os resultados sugerem que a relação risco-benefício parece ser aceitável, indicando que a segunda irAE não foi tão grave como a primeira, embora apontem que mais estudos são necessários para examinar a re-exposição a inibidores de checkpoint imune.
Estudo corrobora dados de segurança do retratamento com imunoterapia após desenvolvimento de evento adverso imuno-relacionado
Por Fernando Santini
As indicações para o uso dos bloqueadores de co-receptores imunes, representados principalmente pelas drogas anti-PD-(L)1 e/ou anti-CTLA4, e o número de pacientes expostos à estas drogas vem aumentando exponencialmente. Diante disso, é mister que o conhecimento do manejo dos eventos adversos imuno-relacionados (EAIR) seja aprimorado. Existe uma variedade de guias de recomendação sobre o manejo desses eventos adversos imuno-relacionados já publicados, porém a maioria não aborda a questão da segurança do retratamento após evento adverso imuno-relacionado grave.
Depois de Santini et al, Simonaggio et al publicaram recentemente o segundo estudo retrospectivo sobre a segurança do retratamento após um EAIR grau 2 ou maior que levou à interrupção da imunoterapia. Diferente do primeiro estudo que selecionou paciente com CPNPC, o grupo francês incluiu pacientes com melanoma, linfoma, carcinoma de células renais, carcinoma urotelial, tumores coloretais, tumores de cabeça e pescoço, entre outros. Do total de 93 pacientes que tiveram o tratamento suspenso, a maioria recebeu anti-PD-(L)1, somente 5 pacientes receberam anti-CTLA4 isoladamente e 9% dos pacientes receberam combinação anti-PD-(L)1 + anti-CTLA4. Quase a metade dos pacientes apresentou EAIR grau 2 inicialmente e a outra metade EAIR graus 3-4.
Quarenta (93%) dos pacientes foram retratados. A mediana de intervalo de tempo para o retratamento foi de 3.8 semanas. Dos pacientes retratados, 17 pacientes (42.5%) experimentaram recorrência do mesmo evento adverso e cinco (12.5%) experimentaram evento adverso novo. 38% dos eventos foram grau 2, 48% grau 3 e 14% grau 4. Nenhum óbito observado após o retratamento. Os órgãos alvos dos eventos adversos iniciais foram variados: fígado, pele, pulmão, trato gastrointestinal, entre outros. O único fator preditor para recorrência do evento adverso foi o menor tempo entre o início do tratamento e o desenvolvimento do EAIR. Estudo atual não conseguiu determinar diferença de eficácia entre o grupo retratado e o não retratado.
Vale salientar que o retratamento só deve ser considerado após recuperação do EAIR inicial. Pacientes que desenvolvem certos EAIR em órgãos de risco como por exemplo cardíacos (miocardite) e neurológicos não devem ser considerados candidatos ao retratamento. Levar em consideração também a necessidade do retratamento, já que pode ser postergado naqueles pacientes que já atingiram resposta anti-tumoral pré desenvolvimento do EAIR.
Os estudos foram consistentes em demonstrar que aproximadamente a metade dos pacientes apresenta recorrência do mesmo EAIR ou novo EAIR, e em sua maioria estes eventos são leves e tratáveis. Sendo assim, o retratamento após EAIR, inclusive os mais graves, pode ser considerado factível e seguro. Dados deste estudo francês corroboram os dados do estudo já publicado por Santini et al, com um número semelhante de pacientes, porém em uma gama maior de tumores.
Referência: Simonaggio A, Michot JM, Voisin AL, et al. Evaluation of Readministration of Immune Checkpoint Inhibitors After Immune-Related Adverse Events in Patients With Cancer. JAMA Oncol. Published online June 06, 2019. doi:10.1001/jamaoncol.2019.1022