O índice de fragilidade tem o objetivo de fornecer uma medida de confiança, indicando que o benefício observado em um ensaio clínico randomizado é real. Estudo publicado no Lancet Oncology por pesquisadores canadenses calculou o índice de fragilidade de ensaios clínicos randomizados que subsidiaram a aprovação de antineoplásicos pela agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA), de 2014 a 2018. Mais da metade dos estudos avaliados não mostrou níveis de confiança, indicando dúvidas sobre sua superioridade em relação ao braço controle. “O trabalho demonstra nossa insegurança estatística mesmo nos estudos de Fase III usados para registro de novas drogas”, avalia o oncologista Sergio Simon (foto), presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e médico do Centro Paulista de Oncologia (CPO), do Grupo Oncoclínicas.
Del Paggio, J. C. e Tannock, I. F argumentam que o limiar arbitrário de um valor de p inferior a 0,05 pode não ser clinicamente relevante, particularmente quando a diferença no resultado não fornece benefícios clínicos substanciais, como definido pela escala de magnitude de benefício clínico da ESMO e da ASCO. “A fragilidade estatística dos resultados de estudos randomizados pode ser representada pela facilidade com que o limiar do valor de p passa de significante (p <0,05) para não significativo (p≥0 · 05)”, analisam.
Nesta análise retrospectiva foram considerados ensaios clínicos de fase 3, randomizados, que apoiaram aprovações do FDA de 1º de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2018. Estudos com dois braços comparativos e randomizados 1: 1 que tiveram resultados significativamente positivos foram considerados elegíveis para o cálculo do índice de fragilidade. O índice foi calculado com a adição de um evento ao grupo experimental (definido como o grupo com menor número de eventos em ensaios positivos) e a subtração concomitante de um não evento daquele grupo, até significância positiva (definida como p <0, 05 pelo teste de Fisher).
Resultados
Foram identificados 36 ensaios clínicos randomizados de fase 3, dos quais 17 (47%) foram incluídos na análise do índice de fragilidade. O índice mediano de fragilidade foi 2 (IQR 0–27). O índice de fragilidade foi de 2 ou menos em nove (53%) dos 17 ensaios avaliados; em cinco (29%) dos 17 ensaios, o número perdido para o seguimento foi maior que o índice de fragilidade.
“Muitos estudos randomizados de fase 3 que apoiaram o registro de medicamentos anticâncer pelo FDA não mostraram níveis de confiança, indicando que não é possível atestar sua superioridade sobre o braço controle”, descrevem os autores.
Cuidado na avaliação da incorporação de novas drogas
Por Sergio Simon
Este interessante estudo de Joseph Del Paggio e Ian Tannock, dois importantes autores canadenses que há anos questionam a validade dos resultados de estudos clínicos de Fase III, demonstra de maneira matemática que muitos estudos usados para registro de novos medicamentos anticâncer junto ao FDA apresentam importante fragilidade estatística. Ou seja, apesar de um valor de p<0.05 pelo teste de Fisher, pequenas mudanças nos desfechos clínicos em um dos braços causa perda daquilo que classicamente tem sido aceito como “valor estatisticamente significativo”. Além disso, questionam a utilidade clínica dos endpoints de muitos destes estudos, usando a escala de magnitude de benefício clínico da ESMO e da ASCO. Esta fragilidade estatística sugere que muitos tratamentos aprovados pelo FDA nos últimos anos não têm benefício significativo para os pacientes, apesar de serem considerados “estudos positivos”.
Além dessa dúvida sobre a validade de estudos de Fase III, o FDA tem sido bastante criticado pela aprovação em “fast track” de novas drogas aparentemente promissoras baseada apenas em estudos de Fase II. O caso mais recente foi do olaratumabe, aprovado para o tratamento de sarcomas metastáticos baseado somente em dados de Fase II (inclusive com registro na ANVISA, aqui no Brasil), apenas para se mostrar totalmente ineficaz no estudo de Fase III subsequentemente publicado. Isso levou a um prejuízo de milhões de dólares com um tratamento ineficaz, sem benefício para os pacientes.
O caso do iniparibe, um “falso” inibidor da PARP, cujo estudo de fase II foi publicado com grande estardalhaço no New England Journal of Medicine e saudado em editorial como “abrindo uma nova era” no tratamento do câncer de mama também é lembrado. Apenas sete dias após a publicação promissora do estudo de Fase II, o laboratório Sanofi comunicou que o estudo de Fase III era totalmente negativo. A droga foi abandonada para outros estudos.
Deve-se ter cuidado, portanto, na avaliação da incorporação de novas drogas. O benefício clínico real (idealmente, ganho de sobrevida global, ou alternativamente ganho de sobrevida livre de progressão) deve ser cuidadosamente pesado, e contrabalançado contra custo e toxicidade. O presente estudo demonstra nossa insegurança estatística mesmo nos estudos de Fase III usados para registro de novas drogas.
Referência: Del Paggio, J. C., & Tannock, I. F. (2019). The fragility of phase 3 trials supporting FDA-approved anticancer medicines: a retrospective analysis. The Lancet Oncology. doi:10.1016/s1470-2045(19)30338-9