O Surgical Oncology publicou os resultados do estudo retrospectivo que identificou fatores prognósticos no adenocarcinoma cervical (AC) e no adenocarcinoma escamoso (ASC) tratados com cirurgia primária e terapia adjuvante. “Dentro das limitações de uma análise retrospectiva, o estudo sugere que tratamento adjuvante (após histerectomia radical associada à dissecção linfonodal pélvica) para adenocarcinoma cervical precoce não melhora a sobrevida de pacientes com score de mau prognóstico, à exceção das pacientes com acometimento linfonodal pélvico”, avalia Allex Jardim da Fonseca, do EVA/GBTG.
O estudo foi realizado pelo grupo ginecológico de Taiwan e envolveu dados clínicos e patológicos de 1132 pacientes com câncer cervical AC / ASC estádios I-II tratados com cirurgia primária.
Resultados
Na análise multivariada, invasão profunda do estroma (DSI), invasão linfovascular (Lvsi), linfonodos pélvicos positivos (PLN) e o envolvimento parametrial (PI) foram fatores significativos para sobrevida livre de recidiva, enquanto apenas DSI, PI e PLN positivos foram fatores independentes para a sobrevida câncer específica (CSS).
Grupos de baixo e alto risco foram definidos por escores prognósticos derivados dos quatro fatores (DSI, Lvsi, PLN positivo, PI) selecionados pela validação interna.
A terapia adjuvante pós-operatória melhorou significativamente os resultados para pacientes PLN-positivos (RFS, p = 0,014; CSS, p = 0,016), mas não para o grupo de alto risco com PLN negativo (p = 0,028).
Os autores concluem que a presença de metástases PLN, PI, DSI e Lvsi foram fatores prognósticos independentes. Novos estudos prospectivos são necessários para avaliar o escore prognóstico e a estratificação do status nodal na adjuvância do câncer cervical e do carcinoma adenoescamoso após cirurgia primária.
Referência: Prognostic factors and adjuvant therapy on survival in early-stage cervical adenocarcinoma/adenosquamous carcinoma after primary radical surgery: A Taiwanese Gynecologic Oncology Group (TGOG) study - Open Access
DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.suronc.2016.05.028
Comentários
* Por Allex Jardim da Fonseca, membro do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG) e coordenador do Núcleo de Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Roraima
Apesar da incidência do adenocarcinoma do colo do útero ter aumentado dramaticamente nas últimas décadas, o seu manejo ainda é baseado em analogia com o carcinoma escamoso, pois pouquíssimos estudos publicados avaliaram o prognóstico deste tipo de tumor e nenhum estudo prospectivo foi publicado até o momento analisando especificamente o tratamento do adenocarcinoma cervical.
Para tentar minimizar esta limitação, Twu e colaboradores publicaram este estudo longitudinal. A principal limitação deste trabalho é o fato de ser retrospectivo, e sua principal força foi o tamanho amostral alcançado (1132 pacientes), o maior estudo já publicado sobre o tema.
O estudo incluiu apenas pacientes com adenocarcinoma cervical (ou adenoescamoso) estágio I e II (FIGO). Sabe-se que para tumores precoces do colo do útero o tratamento baseado em cirurgia e o baseado em quimiorradioterapia (QT+RTX) são similares em termos de sobrevida e a cirurgia tem sido o método de escolha na maioria dos serviços, para evitar os efeitos adversos da RTX a longo prazo. Sabe-se também que para pacientes com carcinoma escamoso do colo do útero submetidas à cirurgia, com linfonodos positivos, o tratamento adjuvante com RTX + QT reduz a recorrência.
Porém, o adenocarcinoma cervical pode ter fatores prognóstico diferentes do carcinoma escamoso e este estudo foca não somente em definir as características patológicas como fatores prognósticos, como também no papel da adjuvância para o adenocarcinoma cervical.
Os resultados confirmam que acometimento de linfonodos pélvicos, invasão profunda do estroma, invasão linfovascular e o envolvimento parametrial são fatores de mau prognósticos independentes do adenocarcinoma cervical (à semelhança do carcinoma escamoso). Em especial, se destacou o acometimento linfonodal. Este fator mais que quadruplicou o risco de morte pelo câncer em análise multivariada (Risco Relativo ajustado = 4,43; p < 0,001). E a principal contribuição deste estudo foi demonstrar que, apesar destas 4 características patológicas serem prognósticas e estratificarem o risco das pacientes com adenocarcinoma cervical, somente o acometimento linfonodal se confirmou como fator preditivo de resposta à adjuvância. Dentro das limitações de uma análise retrospectiva, o estudo sugere que tratamento adjuvante (após histerectomia radical associada à dissecção linfonodal pélvica) para adenocarcinoma cervical precoce não melhora a sobrevida de pacientes com score de mau prognóstico, à exceção das pacientes com acometimento linfonodal pélvico, para as quais a QT+RTX demonstrou redução de recidiva e da mortalidade câncer-específica. Os autores sugerem ainda que a associação de RTX + QT apresenta tendência à superioridade à RTX exclusiva, sem significância estatística (p=0,088) para sobrevida em 5 anos.
O fato de pacientes de alto risco, porém com linfonodos negativos, não apresentarem benefício da adjuvância neste estudo deve ser analisado com muita cautela, pois os próprios autores relataram que o score prognóstico foi significativamente maior em pacientes submetidas à adjuvância do que nas não submetidas à adjuvância, ressaltando a limitação de um estudo retrospectivo em evitar viés de seleção. Estudos prospectivos ainda são necessários para melhor definição de que subgrupo se beneficia de adjuvância e qual o melhor tratamento.