O médico especialista em radio-oncologia Fabio Ynoe de Moraes, professor assistente no Departamento de Oncologia na Queen’s University, Canadá, é autor de artigo publicado no Lancet Oncology que discute desafios e perspectivas para a formação de especialistas em oncologia na América Latina. “O tratamento do câncer está se tornando cada vez mais complexo, o número de novos casos está crescendo rapidamente e o cuidado baseado em valor precisa ser estimulado. Para melhorar o atendimento aos pacientes é preciso expandir o treinamento e a educação da próxima geração de médicos especialistas em oncologia na região”, defendem os autores.
Os autores consultaram 15 médicos de diferentes especialidades envolvidas no tratamento do câncer que atuam na região para entender os desafios de treinamento, recrutamento e retenção de profissionais. As entrevistas foram realizadas por e-mail, e todos os participantes receberam dez perguntas abertas e a oportunidade de compartilhar suas experiências pessoais durante o treinamento em oncologia.
Segundo os especialistas consultados, o treinamento varia substancialmente por país e especialidade. No caso de médicos oncologistas, alguns programas exigem treinamento prévio em medicina interna. Já em radio-oncologia, alguns dos programas com maior número de participantes exigem apenas alguns meses de treinamento em medicina interna. A duração do treinamento varia de 2 a 4 anos em oncologia clínica (após completar treinamento em medicina interna) e geralmente são mais curtas para radio-oncologia e oncologia cirúrgica.
Em alguns países como Venezuela, Colômbia, Costa Rica e República Dominicana, as instituições de treinamento estão localizadas na capital do país; em outros, como o Brasil, existem oportunidades de treinamento em todo o país, mas com a maioria das vagas de residência localizados em alguns poucos centros. “Essa distribuição limita o número de vagas e oportunidades de residências para alunos de escolas médicas mais distantes dos grandes centros”, destacam os autores.
O artigo revela que a oncologia clínica, a radio-oncologia e a patologia não são especialidades populares entre os estudantes de medicina e residentes da América Latina. “Vários motivos foram levantados durante as entrevistas, como acesso limitado a quimioterápicos e equipamentos de radiação, baixos salários e falta de prestígio das sociedades médicas em seus respectivos países”, afirmam os autores. No Exame Nacional de Residência na Argentina, em 2018-19, por exemplo, havia 33 candidatos para oncologia, em comparação com 331 candidatos para cargos de anestesiologia. A oncologia cirúrgica, entretanto, é um campo popular em toda a América Latina. “No Brasil, o interesse pela formação em radio-oncologia está diminuindo, e apesar de ser necessário uma melhor avaliação sobre os motivos, esse desinteresse pode estar diretamente relacionado ao cenário econômico e potencial baixo número de oportunidades de trabalho”, observam.
A falta de incentivo para a pesquisa clínica entre os residentes de oncologia na região também esteve em pauta. Segundo os respondentes, a maioria dos programas não tem um currículo formal em pesquisa, novas tecnologias e desenvolvimento de carreira. Entre os motivos apontados estão a infraestrutura insuficiente, falta de financiamento ou alta demanda clínica para os residentes. Outro desafio a ser considerado é a migração de trainees para a Europa e América do Norte, com o objetivo de se formar em instituições maiores. “Melhorar o treinamento e os recursos na América Latina ajudará a reter e recrutar estudantes de medicina e residentes interessados em oncologia”, ressaltam.
Entre os caminhos propositivos para melhorar a formação de futuros médicos oncológicos na região estão iniciativas como o Young Investigator Award, concedido pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), que oferece ajuda e financiamento a jovens pesquisadores em todo o mundo; e as bolsas editoriais para trainees oferecidas pelo Journal of Global Oncology (JCO). “A ASCO também desenvolveu o International Development and Education Award, que oferece suporte para oncologistas em início de carreira em países de baixa e média renda e facilita o compartilhamento de conhecimento. Outras organizações também têm demonstrado interesse crescente na oncologia global, incluindo a Union for International Cancer Control (UICC) com seu programa de jovens líderes e a International Association for the Study of Lung Cancer (IASLC) por meio da criação de workshops locais”, apontam os autores, ressaltando ainda a importância do treinamento também das equipes multidisciplinares na assistência oncológica.
“A promoção da importância da pesquisa científica e do cuidado baseado em valor é necessária para iniciarmos mudanças na América Latina. Condicional a isso, precisamos de investimentos (bolsa de treinamento e pesquisa), mentores dedicados e oportunidades de intercâmbio”, conclui Moraes.
Referência: Oncology training in Latin America: are we ready for 2040? - Narjust Duma; Fabio Ynoe Moraes - Published: October, 2020 - DOI:https://doi.org/10.1016/S1470-2045(20)30158-3