Estudo de coorte publicado no JAMA Network Open demonstrou que o câncer de mama de intervalo, detectado entre o período de rastreamento mamográfico organizado, tem maior probabilidade de ser diagnosticado no estágio III da doença, e apresenta um risco de morte câncer-específica 3,5 vezes maior em comparação com aqueles detectados no rastreio. O médico epidemiologista Arn Migowski (foto), chefe da Divisão de Detecção Precoce e Apoio a Organização de Rede do Instituto Nacional de Câncer (INCA), analisa os resultados.
Neste estudo de coorte baseado em registros de câncer, os pesquisadores coletaram dados sobre variáveis relevantes relacionadas ao tumor e às pacientes com diagnóstico de câncer de mama entre janeiro de 2004 e junho de 2010 participantes do programa de rastreamento populacional em Manitoba, Canadá, e aquelas diagnosticados com câncer de mama fora do programa de rastreamento organizado.
Um total de 69025 mulheres com idades entre 50 e 64 anos realizou 212579 mamografias de rastreamento durante o período do estudo. Houve 1.687 diagnósticos de câncer de mama (705 diagnosticados no rastreamento organizado (SBC), 206 tumores de intervalo (IBC), 275 não conclusivos e 501 detectados fora do programa de rastreamento), com 225 mortes (170 mortes específicas por câncer de mama). O câncer de intervalo apresentou maior probabilidade de ser de alto grau e receptor de estrogênio negativo em comparação com os tumores diagnosticados no rastreamento organizado (odds ratio [OR], 6,33; 95% CI, 3,73-10,75; P <0,001; e OR, 2,88; 95% CI, 2,01-4,13 ; P <0,001, respectivamente).
Após um acompanhamento médio de 7 anos, a mortalidade específica por câncer de mama foi significativamente maior em pacientes com tumores de intervalo em comparação com aquelas diagnosticadas no programa de rastreamento ([HR] 3,55; 95% CI, 2,01-6,28; P <0,001), por um período de 2 anos. A mortalidade por outras causas foi semelhante entre IBC e SBC (HR, 1,33; 95% CI, 0,43-4,15).
“Neste estudo de coorte, os cânceres de intervalo foram altamente prevalentes em mulheres que participaram de triagem populacional, representaram uma biologia mais agressiva e apresentaram risco de morte por câncer de mama mais de três vezes superior em comparação com tumores diagnosticados no rastreamento organizado. Estratégias além das práticas de rastreamento mamográfico atuais são necessárias para reduzir a incidência, melhorar a detecção e reduzir as mortes por esses tumores de mama potencialmente letais”, concluíram os autores.
Resultados devem ser analisados com cautela
Por Arn Migowski
Os resultados do presente estudo reforçam a heterogeneidade do câncer de mama, com diferenças marcantes de prognóstico entre os cânceres detectados no rastreamento mamográfico e aqueles que surgem no intervalo entre as rodadas de rastreio. Essa diferença intrínseca no comportamento biológico desses cânceres cria, em muitos estudos, uma impressão de que o rastreamento é necessariamente a causa do melhor prognóstico. Na epidemiologia esse fenômeno chama-se viés de duração, isto é, o rastreamento tende a detectar cânceres com melhor prognóstico e com evolução indolente desde a fase pré-clínica. Nos casos mais extremos temos o sobrediagnóstico, que são casos detectados pelo rastreamento, mas que nunca se expressariam por sinais ou sintomas.
No entanto, é necessário ter cautela com a conclusão dos autores do artigo. Embora os achados dos autores apontem para uma limitação da eficácia do rastreamento mamográfico, ainda não existem evidências conclusivas sobre o balanço entre riscos e benefícios de outras estratégias de rastreamento. Ademais, aumentar a periodicidade do rastreamento de bienal para anual dobra os riscos sem comprovadamente gerar benefícios. Os casos mais agressivos são detectados como câncer de intervalo, entre as etapas do rastreamento, seja por falso-negativo, seja pela evolução muito rápida desses tumores. Esse é mais um motivo para se implementar a estratégia de diagnóstico precoce para agilizar a investigação diagnóstica de casos com sinais e sintomas suspeitos, que deve ser implementada mesmo na população-alvo do rastreamento mamográfico. As pacientes devem conhecer os sinais clínicos de alerta para o câncer de mama e ser orientadas a procurar assistência médica, mesmo após um resultado normal de rastreamento.
Referência: Niraula S, Biswanger N, Hu P, Lambert P, Decker K. Incidence, Characteristics, and Outcomes of Interval Breast Cancers Compared With Screening-Detected Breast Cancers. JAMA Netw Open. 2020;3(9):e2018179. doi:10.1001/jamanetworkopen.2020.18179