Pode haver lacuna de eficácia quando os tratamentos deixam o ambiente de pesquisa clínica e são aplicados em uma situação clínica do mundo real? É o que discute artigo de Ian F. Tannock e colegas, no Journal of Clinical Oncology, em um debate cada vez mais atual.
“Aqui, revisamos evidências substanciais que mostram que os resultados observados em pacientes selecionados para participar de ensaios clínicos diferem dos resultados em circunstâncias do mundo real com o mesmo medicamento ou intervenção, indicando que pacientes tratados na prática cotidiana tendem a ser mais velhos e mais frágeis, a ter pior status de desempenho e mais comorbidades do que aqueles selecionados para ensaios clínicos", descrevem os autores.
Na prática, o reflexo desse gap desperta preocupações importantes. É provável que o nível de benefício seja menor e o nível de toxicidade mais alto do que o relatado em ensaios clínicos, analisa o artigo.
Para a oncologia, o cenário preocupa. “Frequentemente, a verdadeira eficácia de uma nova terapia contra o câncer não é conhecida porque os estudos pós-comercialização não foram realizados ou, quando foram, permaneceram propensos a vieses metodológicos que limitam as inferências sobre o verdadeiro benefício da terapia”, argumentam os autores.
Para estimar de forma mais fidedigna os benefícios e a toxicidade dos novos tratamentos, um dos caminhos propostos são os estudos de base populacional, com a inclusão de pacientes idosos, com baixo status de desempenho ou presença de comorbidades. ”No entanto, como as informações sobre desempenho funcional, fatores de estilo de vida (dieta, exercício, uso de álcool, por exemplo), apoio psicossocial e toxicidade financeira geralmente não estão disponíveis, inúmeras fontes de viés (que podem superestimar o benefício do tratamento) permanecem”, criticam Templeton et al.
Para os autores, entre as possíveis soluções para evitar um perfil de risco-benefício adverso está a aprovação escalonada, “com uma licença inicial estreita seguida pela ampliação gradual da população elegível, sob observação controlada”, propõem. “Além disso, a publicação de diretrizes para gerenciar toxicidades e recomendações para reduções de dose podem ajudar a reduzir a carga de tratamento na prática diária e, potencialmente, melhorar a eficácia”, avaliam.
Segundo os autores, sistemas de vigilância para monitorar a segurança de medicamentos na prática diária e registros de informações eletrônicas sobre medicamentos também podem ajudar, ainda que a consistência de conjuntos de big data seja uma preocupação frequente. “A evolução das evidências médicas deve continuar além da publicação de um ensaio clínico randomizado (ECR); o conhecimento adquirido com os ECRs deve ser ampliado para entender como a adoção de novas terapias pode ou não se traduzir em melhores resultados para os pacientes no mundo real”, sustentam.
Referência: Informing Patients About Expected Outcomes: The Efficacy-Effectiveness Gap - Ian F. Tannock et al - DOI: 10.1200/JCO.19.02035 Journal of Clinical Oncology - Published online March 11, 2020.