Acaba de ser publicado no periódico Journal of Clinical Oncology1 o guia prático de radioterapia hipofracionada para câncer de próstata localizado, elaborado por três Sociedades Americanas de especialidade: ASTRO (American Society for Therapeutic Radiation Oncoloy), ASCO (American Society of Clinical Oncology) e AUA (American Association of Urology). Os autores se basearam em questões chave e reportaram a força de recomendação, o nível de evidência e o consenso para o emprego de radioterapia hipofracionada de acordo com o tipo de fracionamento e grupos de risco dos pacientes. O radio-oncologista Robson Ferrigno (foto) comenta as conclusões desse consenso.
O guia prático publicado é uma leitura obrigatória para médicos especialistas em radioterapia que pretendem implantar a radioterapia hipofracionado para o tratamento do câncer de próstata localizado. O painel de especialistas realizou uma revisão sistemática de literatura para recomendar a utilização dessa estratégia para cada situação clínica.
A radioterapia hipofracionada é definida quando se utiliza dose diária de radioterapia acima de 2 Gy no volume alvo. Com o aumento da dose por dia é possível diminuir o tempo de tratamento, tornando-o assim, mais confortável para o paciente e com melhor logística para o Serviço de Radioterapia. Na última década, várias Instituições têm estudado essa estratégia para o câncer de próstata. Os autores desse guia prático dividiram o hipofracionamento em moderado (2,4 a 3,4 Gy por dia) e em ultra hipofracionamento (≥ 5 Gy por dia). Essa divisão foi baseada na metodologia dos estudos. Segue abaixo as conclusões de acordo com o tipo de fracionamento.
Hipofracionamento moderado
As recomendações para esse tipo de fracionamento foram baseadas em quatro grandes estudos prospectivos e randomizados: CHHiP (37x2Gy Vs 20x3 Gy Vs 19 x 3Gy); PROFIT (39x2Gy Vs 20x3Gy); RTOG 0415 (41x1,8Gy Vs 28x2,5Gy) e HYPRO (39x2Gy Vs 19x3,4Gy). Esses estudos envolveram 3216, 1206, 1115 e 820 pacientes, respectivamente, de todos os grupos de riscos, porém, apenas 20% eram de alto risco.
Os quatro estudos mostraram resultados semelhantes de controle de doença e toxidade tardia. Houve aumento de toxicidade gastrointestinal aguda nos pacientes tratados com hipofracionamento. Esses estudos estão com seguimento mediano de cinco ou seis anos. Baseado nesses achados, o painel de especialistas concluiu as seguintes recomendações de acordo com o grupo de risco.
Baixo risco e risco intermediário
Recomendação: Forte
Qualidade da evidência: Alto
Consenso: 100%
Alto risco
Recomendação: Forte
Qualidade da evidência: Alto
Consenso: 94%
O painel recomendou cautela devido à maior toxicidade aguda gastrointestinal e pelo fato dos estudos randomizados ainda estarem com seguimento mediano em torno de cinco anos. Os pacientes devem ser informados sobre esses aspectos.
O fracionamento mais recomendado foi o de 20 x 3 Gy e 28 x 2,5 Gy, com preferência para o primeiro para risco baixo e intermediário.
Ultra hipofracionamento
Para o ultra hipofracionamento (fração por dia ≥ 5 Gy) o painel verificou a ausência de estudos prospectivos e randomizados que tenham comparado fracionamento convencional com ultra hipofracionamento. Os dados foram obtidos apenas de estudos prospectivos não randomizados e de retrospectivos. Os resultados com maior número de pacientes foram reportados com fracionamentos 5 x 7 Gy ou 5 x 7,25 Gy.
Foi consenso recomendar dose diária acima de 7,25 Gy apenas para pacientes inseridos em protocolos de estudos devido ao maior potencial de toxicidade tardia observadas em algumas análises de coorte. A maior parte dos pacientes estudados com ultrafracionamento era de baixo risco (77%). De acordo com o grupo de risco, o painel concluiu as seguintes recomendações:
Baixo risco
Recomendação: Condicional
Qualidade da evidência: Moderada
Consenso: 88%
Riscos intermediário e alto
Recomendação: Condicional
Qualidade da evidência: Baixa
Consenso: 94%
Portanto, deve-se ter muita cautela ao utilizar o ultra hipofracionamento, devendo preferencialmente ser empregado apenas em pacientes de baixo risco e inseridos em protocolos de estudos devido à moderada qualidade de evidência. Essa estratégia tem o potencial de ser adotada com segurança no futuro para determinados pacientes, porém, deve-se aguardar dados mais evidentes da literatura.
Outro consenso de 100% do painel de especialista, tanto para hipofracionamento moderado como ultra hipofracionamento, foi o emprego de técnica de liberação de dose com modulação da intensidade de feixe de radiação (IMRT) para melhor concentrar a dose no volume alvo e o emprego de radioterapia guiada por imagem (IGRT) para verificação diária da posição da próstata, que pode variar tanto pelas mudanças de posição do paciente, como pelas alterações anatômicas do reto e da bexiga durante o tratamento.
Vale a pena destacar na publicação desse manual, o fato dos especialistas terem levado em consideração um estudo brasileiro prospectivo e randomizado que comparou radioterapia conformada com IMRT com fracionamento de 25 x 2,8 Gy. Esse estudo, o único randomizado na literatura que compara as duas técnicas, mostrou controle bioquímico de doença semelhante nos dois braços do estudo e maior toxidades aguda e tardia, tanto gênito urinária como gastro intestinal, com técnica conformada2.
Portanto, empregar radioterapia hipofracionada no câncer de próstata no Brasil será um grande desafio uma vez que tanto a técnica de IMRT como a IGRT não são contempladas pelo rol da ANS e muito menos pelo SUS. Além disso, poucos Serviços possuem sistemas adequados de verificação diária de imagem. Mas como a estratégia de hipofracionamento para câncer de próstata é uma tendência mundial, teremos que nos preparar para isso num futuro próximo e estarmos atentos à qualidade das evidências publicadas.
Referências:
1 - Morgan SC, et al. Hypofractionated Radiation Therapy for Localized Prostate Cancer: An ASTRO, ASCO, and AUA Evidence-Based Guideline. J Clin Oncol. Published on October 11, 2018.
2 - Viani GA, et al. Intensity-modulated radiotherapy reduces toxicity with similar biochemical control compared with 3-dimensional conformal radiotherapy for prostate câncer. A randomized clinical trial. Cancer 122: 2004-2011, 2016.