Como o tromboembolismo venoso (TEV) deve ser prevenido e tratado em pacientes com câncer? A Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) publicou um guideline1 com recomendações atualizadas para profilaxia e tratamento do tromboembolismo venoso (TEV) em pacientes com câncer. O documento foi publicado no Journal of Clinical Oncology (JCO). A cardio-oncologista Ariane Vieira Scarlatelli Macedo (foto), médica do Centro Paulista de Oncologia/Grupo Oncoclínicas e coordenadora do Comitê de Trombose e Hemostasia em Câncer da Sociedade Brasileira de Trombose e Hemostasia (SBTH) comenta as diretrizes.
O Painel de Especialistas realizou uma pesquisa de ensaios clínicos randomizados controlados (RCTs) e metanálises de RCTs publicados entre agosto de 2014 e dezembro de 2018 para informar a base de evidências para a diretriz.
O tromboembolismo venoso, que inclui trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar (EP), é uma causa importante de morbidade e mortalidade entre pacientes com câncer, população significativamente mais propensa a desenvolver TEV e que apresenta taxas mais altas de recorrência e complicações hemorrágicas durante o tratamento.
O manejo abrangente do TEV em pacientes com câncer inclui tanto a identificação de pacientes com maior probabilidade de se beneficiar da profilaxia farmacológica quanto o tratamento eficaz para reduzir o risco de recorrência de TEV e mortalidade.
A diretriz considera seis questões clínicas: 1. Os pacientes hospitalizados com câncer devem receber anticoagulação para profilaxia de TEV?; 2. Pacientes ambulatoriais com câncer devem receber anticoagulação para profilaxia de TEV durante a quimioterapia sistêmica?; 3. Os pacientes com câncer submetidos à cirurgia devem receber profilaxia de TEV no perioperatório?; 4. Qual é o melhor método para tratamento de pacientes com câncer com TEV estabelecido para prevenir a recorrência?; 5. Os pacientes com câncer devem receber anticoagulantes na ausência de TEV estabelecido para melhorar a sobrevida?; e 6. O que se sabe sobre predição de risco e conscientização sobre o TEV em pacientes com câncer?
Recomendações
A revisão sistemática incluiu 35 publicações sobre profilaxia e tratamento de TEV e 18 publicações sobre avaliação de risco de TEV. A atualização revisa recomendações anteriores e adiciona os anticoagulantes orais diretos (DOACs) como opções para profilaxia e tratamento de TEV. Dois RCTs de anticoagulantes orais diretos (DOACs) para o tratamento de TEV em pacientes com câncer relataram que o edoxaban e a rivaroxabana são eficazes, mas estão associados a um maior risco de sangramento em comparação com a heparina de baixo peso molecular (HBPM) em pacientes com tumores gastrointestinais e potenciais tumores geniturinários. Dois RCTs adicionais investigaram DOACs para tromboprofilaxia em pacientes ambulatoriais com câncer em risco aumentado de TEV.
Entre as novas recomendações, o guideline determina que os médicos podem oferecer tromboprofilaxia com apixabana, rivaroxabana ou HBPM a pacientes ambulatoriais com câncer de alto risco selecionados. Rivaroxabana e edoxabana foram adicionadas como opções para tratamento de TEV, e pacientes com metástases cerebrais são agora abordados na seção de tratamento de TEV. O documento também amplia a recomendação quanto à HBPM no pós-operatório a longo prazo, e reafirma que a maioria dos pacientes hospitalizados com câncer e uma condição médica aguda requer tromboprofilaxia durante toda a hospitalização.
As diretrizes atuais não recomendam a tromboprofilaxia de rotina para todos os pacientes ambulatoriais com câncer. Pacientes submetidos a cirurgia de grande porte devem receber profilaxia com início antes da cirurgia, continuando por pelo menos 7 a 10 dias. Além disso, pacientes com câncer devem ser avaliados periodicamente quanto ao risco de TEV, e os profissionais de oncologia devem informá-los sobre os sinais e sintomas de TEV.
“No Brasil estão disponíveis quatro anticoagulantes orais diretos: o inibidor direto da trombina Dabigatrana2 e três inibidores diretos do fator X ativado (apixabana3, edoxabana4 e rivaroxabana5). Os quatro agentes são aprovados para prevenção de eventos embólicos arteriais em pacientes com fibrilação atrial não valvular, tratamento de tromboembolismo venoso (incluindo TVP e embolia pulmonar), e prevenção de TEV recorrente (TVP e/ou EP) em adultos”, esclarece Ariane.
A especialista acrescenta que em pacientes submetidos à cirurgia eletiva ortopédica de grande porte dos membros inferiores, dabigatrana, apixabana e rivaroxabana são aprovados para prevenção de eventos tromboembólicos venosos.
“Apesar da nova diretriz da ASCO apontar para a possibilidade de profilaxia com apixabana ou rivaroxabana para prevenção primária de TEV em pacientes oncológicos ambulatoriais de risco aumentado para TEV pelo escore de Khorana, estes agentes ainda não são aprovados para esta indicação na bula brasileira”, observa.
Mais informações estão disponíveis em www.asco.org/supportive-care-guidelines.
Referências:
1 - Venous Thromboembolism Prophylaxis and Treatment in Patients With Cancer: ASCO Clinical Practice Guideline Update - Nigel S. Key, Alok A. Khorana, Nicole M. Kuderer, Kari Bohlke, Agnes Y.Y. Lee, Juan I. Arcelus, Sandra L. Wong, Edward P. Balaban, Christopher R. Flowers, Charles W. Francis, Leigh E. Gates, Ajay K. Kakkar, Mark N. Levine, Howard A. Liebman, Margaret A. Tempero, Gary H. Lyman, Anna Falanga - https://ascopubs.org/doi/10.1200/JCO.19.01461
2 – Bula Dabigatrana - http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/frmvisualizarbula.asp?pnutransacao=4038542015&pidanexo=2614503
3 – Bula Apixabana - http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/frmVisualizarBula.asp?pNuTransacao=23469342016&pIdAnexo=3926616
4 – Bula Edoxabana - http://www.daiichisankyo.com.br/site/arquivos/produtos-medicamentos-de-venda-sob-prescricao/lixiana/Lixiana_Bula_Paciente.pdf
5 – Bula Rivaroxabana - http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/frmvisualizarbula.asp?pnutransacao=11301362014&pidanexo=2370899