A correlação entre alta carga mutacional tumoral, instabilidade de microssatélites (MSI) e resposta a inibidores de checkpoint imune levou à aprovação da terapia anti-PD-1 de acordo com o status do MSI, independentemente do tipo de câncer. No entanto, a prática mostra que a resposta ao tratamento varia consideravelmente entre os pacientes e apenas uma pequena parcela obtém benefícios sustentáveis. É o que expõem Li Ding e Feng Chen, pesquisadores da Universidade de Shanghai, em artigo no New England Journal of Medicine que se propõe a delinear os melhores preditores de resposta à terapia anti PD-1. Quem analisa os resultados é o oncologista Bernardo Garicochea (foto), diretor do Centro de Medicina Genômica e da Unidade de Oncogenética do Centro Paulista de Oncologia/Grupo Oncoclínicas e diretor científico do Laboratório Idengene.
Os autores argumentam que o alto grau de heterogeneidade genética em tumores humanos com deficiência de reparo representa desafios importantes na identificação de relações causais e na quantificação de elementos individuais para a resposta aos inibidores de checkpoint imune anti PD-1.
“Mandal e colegas começaram por inativar o gene Msh2 em linhagens celulares de carcinoma e melanoma de camundongos. O gene Msh2 é indispensável para o reparo e quanto mais tempo essas linhagens celulares foram cultivadas com reparo deficiente, mais mutações se acumularam: os escores de MSI atingiram níveis intermediários 1 mês após a inativação de Msh2 e níveis elevados e muito superiores 3 meses depois, indicando maior instabilidade genômica”, descrevem. “Os camundongos com MSI intermediário que receberam anti PD-1 apresentaram resposta limitada, enquanto os que apresentavam MSI elevado tiveram redução drástica no volume tumoral com o anti PD-1”.
Os pesquisadores descrevem que após os testes com modelos murinos, estudos avaliaram os melhores preditores de resposta à imunoterapia em coortes de pacientes humanos. A partir de dados do Atlas do Genoma Humano, esses estudos observaram uma tendência geral de escores citolíticos mais elevados (indicando aumento da atividade citolítica das células T) em tumores com alta MSI em relação a tumores com baixa MSI em 14 diferentes tipos de câncer. Dessa amostra, os autores focaram em 9 pacientes com câncer colorretal com alta instabilidade de microssatélites, na intenção de identificar correlações entre os desfechos clínicos do tratamento com anti-PD-1 e as características dos tumores.
“Essas análises mostraram que tanto uma maior pontuação MSI quanto a maior carga de indel nos tumores foi associada a melhores resultados clínicos em pacientes que tratados com inibidores de checkpoint imune. Em contraste, não foi observada associação significativa entre números de variantes de nucleotídeo único e desfechos clínicos.
Nesta revisão, os autores também consideraram outra pequena análise retrospectiva que avaliou 33 pacientes de carcinoma esofagogástrico ou colorretal com tumores com deficiência de reparo. Todos receberam terapia anti PD-1. Aqueles com MSI elevado tiveram melhor resposta ao tratamento comparados aos de MSI intermediário.
Novos insights para a seleção de prováveis bons respondedores à imunoterapia
Por Bernardo Garicochea
Tanto o FDA como a Anvisa reconhecem que a alta instabilidade de microssatélites funciona como um marcador agnóstico para o uso de inibidores da sinapse pd-1/pd-l1. No entanto, a mera observação de gráficos de tempo ou taxa de resposta à imunoterapia, ou ainda a simples constatação na prática do consultório mostra que no máximo metade dos pacientes com esse tipo de marcador apresentam uma resposta animadora.
O que de fato acontece? Afinal, todos esses indivíduos têm tumores com uma alta taxa de mutações, um dos fatores mais importantes para a geração de neoantígenos, e portanto, de uma poderosa resposta imune antitumoral.
O trabalho publicado na NEJM fornece uma explicação muito elegante e com consequências práticas evidentes na seleção de prováveis bons respondedores à imunoterapia no universo de pacientes com MSI alta. O ponto principal é que não basta apenas a taxa de instabilidade ser elevada. O tipo de neoantígeno gerado também joga pesado no papel da resposta imune. Assim, pacientes com uma taxa muito elevada de um tipo de mutação chamada de indel (inserção ou deleção de bases) tem muito mais chance de produzir uma proteína muito mais bizarra e muito mais antigênica que as mutações que envolvem apenas trocas de pares de base.
Portanto, os tumores com maior chance de resposta a imunoterapia precisariam ter alta instabilidade, porque isso aumentaria a probabilidade de que o número de mutação em genes acionáveis seja maior, mas a qualidade das mutações dentro desse grupo também é crucial. Mais indels, mais neoantígenos, e portanto, maior a resposta imune.
Referências: Predicting Tumor Response to PD-1 Blockade - Li Ding, Ph.D., and Feng Chen, Ph.D. - N Engl J Med. 2019 Aug 1;381(5):477-479. doi:10.1056/NEJMcibr1906340.