A American Cancer Society publicou no último dia 22 de março um guia de recomendações para cuidados de longo prazo com sobreviventes de câncer de cabeça e pescoço. Este é o quarto guideline da série sobre diretrizes de cuidados para os chamados survivors. A atual linha de condutas é dirigida aos tumores de cavidade oral, laringe, língua, lábio e faringe, embora muitos dos princípios se apliquem também ao câncer de glândulas salivares, nasal, de seios paranasais e nasofaringe.
A gestão do câncer de cabeça e pescoço é baseada principalmente em considerações anatômicas e relacionadas à classificação TNM. A doença inicial (estadio I e II) é tratada com uma única modalidade de cirurgia ou radioterapia (RT), dependendo de variáveis como a localização e extensão do tumor, taxa de cura prevista, assim como do resultado funcional e estético pretendido. Cerca de 80% a 90% dos pacientes com doença inicial vão entrar em remissão. Pacientes com doença avançada (estadio III, IVA e IV-B) são tratados com terapia multimodal, incluindo cirurgia, RT, e quimioterapia. No entanto, os autores observam que apesar do tratamento mais agressivo, as taxas de cura permanecem baixas, principalmente diante do grande número de recidiva loco-regional. A exceção fica por conta das doenças relacionadas com o HPV, associadas a um prognóstico significativamente melhor, mesmo com doença em estadio IV, especialmente em pacientes que nunca fumaram. De acordo com os dados publicados neste guideline, as taxas de cura em 5 anos para tumores relacionados com o HPV se aproximam de 90%.
Diante do crescente número de casos associados ao HPV, hoje responsável por cerca de 70% dos casos de câncer de orofaringe, os autores enfatizam tratar-se de uma doença biológica e clinicamente distinta das neoplasias tabaco-dependentes, agora bem descrita em suas alterações moleculares. Aproximadamente 20% de toda a população de pacientes com câncer de cabeça e pescoço é positiva para a exposição ao HPV de alto risco.
Vigilância e recorrência
A linha de condutas recomenda aos médicos de cuidados primários individualizar os cuidados de acompanhamento clínico com base na idade, no diagnóstico específico e no protocolo de tratamento oncológico. A recomendação propõe realizar exame físico detalhado em intervalos de 1 a 3 meses após o primeiro ano do tratamento primário; a cada 2 a 6 meses no segundo ano; a cada 4-8 meses entre o terceiro e o quinto ano pós-tratamento e a partir disso avaliações anuais. O acompanhamento contínuo deve ser feito pelo otorrinolaringologista ou pelo médico de cabeça e pescoço.
O guideline recomenda educar e aconselhar todos os sobreviventes de câncer de cabeça e pescoço sobre os sinais e sintomas de recorrência local. Para o rastreamento de segunda neoplasia, a linha de conduta prevê exames anuais para câncer de pulmão com tomografia de baixas doses (LDCT) para pacientes de alto risco com base no histórico de tabagismo. Avaliações para câncer de esôfago também estão previstas para pacientes de maior risco.
Para a avaliação e gestão de longo prazo da condição física e psicossocial, o guideline prevê o acompanhamento em cada visita. Entre as recomendações, atenção especial para os pacientes que foram submetidos ao esvaziamento cervical. A linha de condutas recomenda a atuação de um especialista em reabilitação para melhorar a amplitude de movimentos, especialmente onde existe morbidade no ombro, para melhorar a capacidade de realizar tarefas diárias.
A presença de distonia cervical, espasmos musculares e neuropatias deve ser avaliada. Está associada tanto ao esvaziamento quanto ao tratamento de radioterapia. Atividades de reabilitação para a gestão da distonia cervical ou da neuropatia podem ser consideradas, assim como a prescrição de agentes para dor neutropênica (pregabalina, gabapentina e duloxetina) ou, ainda, o uso de injeções de toxina botulínica nos músculos afetados para controle da dor e controle de espasmo, quando indicado.
Trismo
A abordagem multidisciplinar é parte integrante das diretrizes de conduta. Além de especialistas em reabilitação, a recomendação prevê a avaliação de profissionais de odontologia para evitar e tratar o trismo tão logo seja diagnosticado.
Disfagia / aspiração / estenose
Os médicos de cuidados primários devem consultar sobreviventes de câncer de cabeça e pescoço com queixa de disfagia, tosse pós-prandial, perda de peso inexplicada e / ou pneumonia. A presença de um fonoaudiólogo experiente é recomendada para avaliar a deglutição, avaliar e gerir disfagia e possível aspiração. A videofluoroscopia é o teste de primeira linha para sobreviventes com suspeita de estenose devido ao alto grau de disfagia fisiológica. Os pacientes com estenose devem ser encaminhados à consulta com gastroenterologista para a dilatação do esôfago.
A presença da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) também deve ser monitorada entre os sobreviventes de câncer de cabeça e pescoço, uma vez que impede a cicatrização dos tecidos irradiados e está associada com aumento do risco de recorrência. Para pacientes com risco aumentado de câncer de esôfago ou sintomas associados, a recomendação prevê o uso de inibidores da bomba de prótons (PPIs) ou antiácidos, além de orientações gerais, como erguer a cabeceira da cama, não comer ou beber líquidos durante três horas antes de deitar, estimular a cessação do tabaco e evitar álcool. Sobreviventes que mantiverem sintomas após as recomendações referidas devem ser orientados a consultar um gastroenterologista.
Linfedema
A presença de linfedema também pode afetar a qualidade de vida dos sobreviventes de câncer de cabeça e pescoço. Os médicos de cuidados primários devem avaliar a existência de linfedema e encaminhar o paciente para avaliação endoscópica do edema da mucosa da orofaringe e laringe. Tratamento e reabilitação podem auxiliar, inclusive com enfaixamento compressivo, se tolerado.
Fadiga
É recomendada a avaliação da fadiga, assim como o tratamento de quaisquer fatores causadores, incluindo anemia, disfunção da tireoide e disfunção cardíaca. A linha de condutas lembra que transtornos de humor, distúrbios do sono, dor, etc podem estar associados à fadiga.
Alteração ou perda do paladar
Sobreviventes de câncer de cabeça e pescoço com paladar alterado devem ser avaliados por um nutricionista para aconselhamento e assistência, ampliando as opções dietéticas.
Vigilância oral e dentária
A linha de condutas recomenda que os sobreviventes de câncer de cabeça e pescoço sejam avaliados com frequência por profissional da área odontológica especializado no atendimento de pacientes oncológicos, com o objetivo de instituir cuidados preventivos capazes de reduzir a cárie e a doença gengival (Grau de evidência = IA). Deve ser encorajado o uso de enxaguatórios sem álcool, uma dieta baixa em sacarose e evitar alimentos com cafeína, assim como alimentos picantes e altamente ácidos.
O paciente também deve ser monitorado para o inchaço da mandíbula e / ou dor no maxilar, indicando possível osteonecrose. Neste caso, deve-se administrar protocolos de tratamento conservador, como antibióticos de largo espectro, solução salina diária ou irrigações com gluconato de clorexidina aquosa nas lesões em fase inicial. A avaliação de um cirurgião pode ser considerada para desbridamento do osso necrosado ou outras intervenções.
Outras complicadas orais incluem a presença de infecções. Nesses casos deve-se considerar fluconazol sistêmico e / ou terapia localizada para o tratamento de infecções fúngicas orais.
Outras recomendações previstas na atual linha de condutas consideram, ainda, questões vinculadas com a auto-imagem, assim como a presença de estresse, depressão, angústia e ansiedade. Para auxiliar os sobreviventes, o guideline traz recomendações específicas e prevê a presença de psico-oncologistas e outros profissionais especialistas em saúde mental.
Nos Estados Unidos, são estimados 61,7 mil novos casos em 2016. O uso do tabaco e o consumo de álcool, juntos, respondem por cerca de três em cada quatro casos de câncer de cabeça e pescoço. O papilomavírus humano (HPV) também é um fator de risco, sendo responsável por até sete em cada dez casos de câncer de orofaringe.
Resultado de um grupo de trabalho multidisciplinar que avaliou as orientações existentes e as evidências disponíveis, o guideline inclui recomendações sobre a vigilância e recorrência do câncer de cabeça e pescoço, rastreio e detecção precoce de segunda neoplasia, avaliação e gestão de longo prazo do potencial físico e psicossocial, além de contemplar os efeitos tardios do câncer de cabeça e pescoço, envolvendo estratégias de promoção da saúde para a nutrição, atividade física e cessação do tabaco.
"É uma resposta à necessidade de orientação sobre a melhor forma de cuidar do crescente número de sobreviventes de câncer de cabeça e pescoço," escrevem os autores.
Referência: American cancer society head and neck cancer survivorship care guideline
doi: 10.3322/caac.21343 - Ezra E. W. Cohen MD, Samuel J. LaMonte MD, FACS, Nicole L. Erb BA,*,
Kerry L. Beckman MPH, CHES, Nader Sadeghi MD, Katherine A. Hutcheson PhD,
Michael D. Stubblefield MD, Dennis M. Abbott DDS, Penelope S. Fisher MS, RN, CORLN,
Kevin D. Stein PhD,Gary H. Lyman MD, MPH, FASCO, FACP, Mandi L. Pratt-Chapman MA