A presença de sangue na urina ou hematúria é um achado comum e pode ser um sinal de câncer oculto no trato urinário. Artigo de Matthew Nielsen e Amir Qaseem (Annals of Oncol,2016) descreve a epidemiologia clínica da hematúria e fornece sugestões para a prática clínica. “O artigo serve como importante guia para a avaliação dos pacientes com hematúria, permitindo a seleção daqueles com maior risco para avaliação especializada, enquanto poupa muitos pacientes de exames desnecessários e de alto custo”, analisa o urologista Lucas Nogueira (foto), diretor da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
Definida como a presença de hemácias na urina, a hematúria é uma das condições clínicas mais comuns enfrentadas na prática médica, estando presente em muitas condições do trato geniturinário. Embora em cerca de 70-80% das ocorrências estejam associadas causas nefrológicas ou de origem não identificada, muitas vezes pode estar associada a neoplasias do trato urinário, tanto parenquimatosas (renais) ou uroteliais, o que serve de justificativa para recomendações de avaliação especializada nestes pacientes, com a realização de uretrocistoscopia e exames de imagem do trato urinário superior (tomografia computadorizada ou ultrassonografia).
Apesar de não haver embasamento científico que suporte o rastreamento da hematúria, milhares de exames de urina (testes de fita ou sedimentoscopia) são realizados como parte da avaliação primária de pacientes em qualquer faixa etária, com decorrendo vários exames com resultados positivos porém sem significado clínico. Portanto, muitos pacientes são submetidos desnecessariamente a exames invasivos e com riscos associados (infecção urinária, estenose uretral, reações ao contraste e consequências de exposição a radiação ionizante). Ademais, esta prática eleva muito os custos da prática médica.Desta forma, a individualização na avaliação de cada situação é muito importante. Enquanto o risco de neoplasia é muito maior nos pacientes com hematúria macroscópica, idade > 40 anos, tabagistas, exposição a produtos químicos ou radiação ionizante e presença de sintomas urinários irritativos, naqueles com hematúria assintomática este risco não passa de 5%, o que não justificaria a realização de avaliação específica rotineiramente.
Este artigo chancelado pela American College of Physicians tem como proposta a conscientização sobre a avaliação de hematúria como um marcador de câncer do trato urinário e fornecer conselhos práticos baseados na melhor evidência disponível. Foram avaliados e comparados 5 recomendações internacionais sobre o manejo da hematúria (American Urological Association (AUA) Guidelines, AUA best practice policy, Canadian Urological Association Guidelines, British Association of Urological Surgeons Guidelines e Dutch Guidelines on Haematuria).
De maneira geral foram identificadas algumas discordâncias em relação a melhor forma de definição de risco em casos de hematúria assintomática, melhor métodos de avaliação por imagem (TC ou US) e idade inicial de maior risco (35 vs 50 anos).
Entretanto, com a avaliação conjunta destas recomendações, foram identificadas evidências que podem nos ajudar a melhor avaliar os pacientes com hematúria, tanto micro ou macroscópica, de forma racionalizar sua avaliação sem alterar a acurácia na identificação de neoplasias. Como conclusão, foram definidas as seguintes diretrizes clínicas:
A - Deve ser pesquisada na história clinica a ocorrência pregressa de hematúria macroscópica para todos os pacientes com história de hematúria microscópica.
B - O rastreamento por exame de urina para detecção de câncer em adultos assintomáticos não deve ser realizado.
C - Os resultados de urina positivos com tiras de testes devem ser confirmados com sedimentoscopia, antes de iniciar uma avaliação mais aprofundada em todos os adultos assintomáticos.
D - Avaliação urológica posterior devem ser considerada em todos os adultos com hematúria macroscópica, mesmo se limitada.
E - Encaminhamento para cistoscopia e rastreamento por imagem deve ser considerada em adultos com hematúria microscópica confirmada, na ausência de alguma causa benigna.
F - Avaliação de hematúria deve ser realizada mesmo se o paciente está recebendo terapia antiplaquetária ou anticoagulante.
G - Citologia urinária ou outros marcadores moleculares baseados em urina não devem ser solicitados para detecção de câncer de bexiga na avaliação inicial de hematúria.
Desta forma, este artigo serve como importante guia para a avaliação dos pacientes com hematúria, permitindo a seleção daqueles com maior risco para avaliação especializada, enquanto poupando muitos pacientes de exames desnecessários e de alto custo. Da mesma forma, nos reforça o fato não haver embasamento científico que suporte o rastreamento de câncer urológico baseado na identificação da hematúria em qualquer idade.