Artigo de Carsten Denkert e colegas publicado 9 de julho no Lancet Oncology apresenta resultados de uma análise que agrupou dados de 2.310 pacientes para caracterizar aspectos clínicos e moleculares do câncer de mama HER2-low comparando-os com HER2-zero, incluindo prognóstico e resposta à quimioterapia neoadjuvante. Quem comnta os principais achados é a patologista Filomena Carvalho (foto), Professora Associada e Livre-docente do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP.
Nesta análise agrupada, pesquisadores do German Breast Group avaliaram uma coorte de 2.310 pacientes com câncer de mama primário sem amplificação HER2 tratadas com quimioterapia neoadjuvante em quatro ensaios clínicos prospectivos (GeparSepto, NCT01583426; GeparOcto, NCT021252693; GeparX, NCT02682693; Gain-2 neoadjuvante, NCT01690702) entre 30 de julho de 2012 e 20 de março de 2019.
O status HER2-low foi definido como imunoistoquímica (IHC) 1+ ou IHC2 + / hibridização in situ negativa, enquanto o status HER2-zero foi definido como IHC0, com base nas diretrizes da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) e do Colégio Americano de Patologistas. Dados de sobrevida livre de doença e sobrevida global estavam disponíveis para 1.694 pacientes (de todos os ensaios, exceto GeparX) com seguimento médio de 46,6 meses (IQR 35,0–52,3). Modelos de regressão logística bivariados e multivariados e modelos de riscos proporcionais de Cox foram empregados para análise da resposta patológica completa, sobrevida livre de doença e sobrevida global.
Dos 2310 tumores, 1.098 (47,5%) foram classificados como HER2-low e 1212 (52,5%) como HER2-zero. No grupo HER2-low, 703 (64,0%) foram receptor hormonal (RH)-positivo, fração superior ao grupo HER2-zero, com 445 (36,7%) pacientes (p <0,0001). Além das diferenças no status do receptor hormonal, os tumores HER2-zero foram mais frequentemente de alto grau histológico e com maior porcentagem de Ki-67.
Em subgrupo de 556 tumores submetidos a NGS do estudo GeparSepto, o grupo HER2-zero apresentou menor prevalência de mutações em PIK3CA e maior taxa de mutações em TP53. As diferenças de mutações em TP53 se mantem no subgrupo RH-positivo, mas não nos tumores RH-negativos. Já as taxas de mutações de PIK3CA não diferem quando analisadas nos dois grupos separadamente (RH-positivo e negativo).
Pacientes com tumores HER2-low tiveram taxa de resposta patológica completa significativamente menor do que aqueles com tumores HER2-zero (321 [29,2%] vs 473 [39,0%], p = 0,0002). A resposta patológica completa também foi significativamente menor em tumores HER2-low vs. tumores HER2-zero no subgrupo de pacientes com receptor hormonal positivo (123 [17,5%] vs 105 [23,6%], p = 0, 024), mas não no subgrupo com receptor hormonal negativo (198 [50,1%] vs 368 [48,0%], p = 0,21).
Os resultados de sobrevida também indicam que pacientes com tumores HER2-low tiveram sobrevida significativamente maior do que aqueles com tumores HER2-zero (sobrevida livre de doença em 3 anos: 83,4% [IC 95% 80,5-85,99] vs 76,1% [72, 9–79,0]; p = 0,084; sobrevida global em 3 anos: 91, 6% [84,9–93, 4] vs 85, 8% [83,0– 88, 1]; p = 0,016).
Diferenças de sobrevida também foram observadas em pacientes com tumores negativos para receptores hormonais (sobrevida livre de doença em 3 anos: 84,5% [IC 95% 79,5–88,3] vs 74,4% [70,2-78,0]; p = 0 , 0076; sobrevida global em 3 anos: 90,2% [86, 0–93,2] vs 84, 3% [80, 7–87, 3], p = 0,016), mas não em pacientes com tumores com receptores hormonais positivos (sobrevida livre de doença em 3 anos 82,8% [79,1-85,9] vs 79,3% [73,9-83,7]; p = 0, 39; sobrevida global em 3 anos 92, 3% [89, 6–94,4] vs 88, 4% [83, 8–91, 8]; p = 0,13).
Segundo Filomena, os resultados desta análise mostram que os tumores HER2-low e HER2-zero são entidades biológicas distintas e sua adequada caracterização é a base para o refinamento de futuras estratégias diagnósticas e terapêuticas. “Neste cenário, devemos destacar a importância da adequada caracterização imunohistoquímica dos carcinomas HER2-negativos na prática clínica. A distinção entre IHC escore 0 e 1+ era considerada de menor importância antes do advento da nova geração de anticorpos conjugados a droga, como o deruxtecan”, esclarece.
Para a patologista, a necessidade de identificar alguma expressão de HER2 em membrana como alvo terapêutico, ainda que sem amplificação, traz um novo desafio aos patologistas. “Mais do que nunca, é fundamental aderir aos critérios da ASCO/CAP, atualizados em 2018, para adequada classificação do status HER na imunohistoquímica e corretamente distinguir os escores 0 e 1+. Nesta nova classificação, os tumores HER2-low, ou seja, IHC escore 1+ e 2+/sem amplificação, correspondem a 45-55% de todos os carcinomas, ou seja, uma fração superior aos HER2-positivos (15%) e HER2-negativos (30-40%). Constituem um grupo, é verdade, ainda heterogêneo, sobretudo quando observamos as diferenças quanto a expressão de receptores hormonais, como apresentado neste trabalho de Denkert et al. Mas, não há dúvida, o primeiro passo é identificar e classificar corretamente proteica do HER2”, conclui.
Referências: Clinical and molecular characteristics of HER2-low-positive breast cancer: pooled analysis of individual patient data from four prospective, neoadjuvant clinical trials - Prof Carsten Denkert, MD; Fenja Seither, MSc; Prof Andreas Schneeweiss, MD; Theresa Link, MD; Prof Jens-Uwe Blohmer, MD; Marianne Just, MD et al. - Published: July 09, 2021 DOI:https://doi.org/10.1016/S1470-2045(21)00301-6