Estudo de pesquisadores do Instituto Nacional do Câncer (INCA) publicado no periódico AIDS buscou avaliar o impacto da infecção pelo HIV no prognóstico de pacientes tratados para linfoma difuso de grandes células B (LDGCB) na instituição. Marcelo Soares (foto), chefe do Programa de Genética e Virologia Tumoral do INCA, é o autor sênior do trabalho.
A pesquisa surgiu a partir da observação dos pesquisadores, especialmente após a pandemia da Covid-19, de que o linfoma difuso de células-B grandes ainda é um dos principais tipos de câncer associados a pacientes diagnosticados com aids. “Nesse sentido, é preciso considerar que a imunossupressão causada pelo HIV está diretamente relacionada ao risco de desenvolvimento de vários tipos de linfomas não-Hodgkin, uma complicação clínica comum na população vivendo com HIV (PVH), grupo em que se observa uma incidência de cinco a 20 vezes maior do que na população em geral”, afirmam os autores.
No entanto, os pesquisadores observam que com o surgimento da terapia antirretroviral altamente ativa (HAART), em 1996, e a consequente melhoria do sistema imunológico dos pacientes com aids, nas últimas décadas, houve uma diminuição na incidência de linfomas não-Hodgkin nesses pacientes. “Apesar disso, chama a atenção o fato de que este tipo de malignidade continue a ser uma das doenças mais frequentes em pacientes com aids, e o linfoma difuso de células-B é ainda uma causa importante de mortalidade observada nesses pacientes”, ressalta Soares.
Nesse estudo retrospectivo de caso-controle foram incluídos 243 pacientes com LDGCB (91 HIV+ e 152 HIV-) acompanhados no Instituto Nacional do Câncer. Os controles HIV-negativo foram pareados com pacientes soropositivos de acordo com a data de diagnóstico do câncer, estadiamento clínico, tratamento primário do câncer e data de nascimento. Os dados sociodemográficos e de tratamento oncológico foram extraídos dos prontuários. Análises de Kaplan-Meier foram realizadas para estimar a sobrevida, enquanto análises de regressão univariada e múltipla de Cox foram utilizadas para determinar fatores associados à mortalidade.
Resultados
Um total de 98 (40% da série total) mortes foram observadas em um período de 5 anos após o diagnóstico de câncer (entre 1º de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2014).
No grupo com HIV, 41 mortes ocorreram (45%) e destes, 31 (75,6%) morreram especificamente devido ao câncer, nove (21,9%), devido a doenças ou complicações relacionadas à aids e um (2,5%) faleceu por outras causas. Já no grupo sem HIV, houve 57 óbitos (37,5%) e 46 (80,7%) deles morreram devido ao câncer. Onze pacientes desse grupo (19,3%) faleceram por outras causas.
Junto a isso, uma tendência para uma menor sobrevida global dos pacientes com HIV também foi observada em 60 meses após o diagnóstico (54% e 62,6%, respectivamente). Quando se comparou a sobrevida livre de doença, ou seja, dos pacientes que tiveram recidiva da doença ou que vieram a óbito com os que não tiveram estes desfechos, a diferença é ainda maior: enquanto o grupo com HIV apresenta uma taxa de 65%, no grupo sem HIV, a taxa é de 75%. “Essas diferenças observadas nos dois grupos, especialmente considerando a mortalidade e a recidiva da doença, é bastante significativa”, comenta Marcelo Soares.
O estudo também observou que, quanto maior a carga viral no organismo do paciente, maiores as chances de o paciente progredir para o desenvolvimento dos sintomas da aids e de outras doenças, como o câncer. Portanto, a pesquisa constatou que a carga viral é um outro fator que impacta a sobrevida desses pacientes.
“Esse tipo de estudo tem sido fundamental para indicar melhorias em protocolos de tratamentos, a exemplo de priorizar tratar adequadamente e simultaneamente as duas doenças, já que o prognóstico de uma influencia na outra. Além disso, o registro nos prontuários médicos contribui essencialmente para que esse tipo de pesquisa possa acontecer”, explica Marcelo. “Um aspecto importante a comentar é que, nos pacientes acompanhados, a terapia antirretroviral combinatória proporcionou melhora do HIV e da função imunológica dos pacientes e uma diminuição na incidência de linfoma não-Hodgkin (NHL)”, completa o pesquisador.
O trabalho integra um projeto maior da Coordenação de Pesquisa e Inovação do INCA, do grupo de Oncovirologia, que, desde 2004, se dedica a avaliar o papel da infecção por HIV em desfechos em diversos tipos de câncer. O projeto começou com a identificação dos pacientes HIV positivos na Instituição, um dado que não se tinha, anteriormente, e já avaliou a relação entre a infecção pelo HIV e o desfecho da doença em pacientes com câncer colo uterino e câncer de mama. A ideia é aprofundar a compreensão do quanto a presença do HIV impacta no prognóstico do câncer. “A partir deste tipo de estudo, verificamos como a infecção por outros vírus, como o HIV, impacta a sobrevida e o tratamento do paciente com câncer. Esse tipo de pesquisa nos ajuda a acompanhar a ocorrência de outras doenças em nossos pacientes, como foi o caso da própria COVID, a partir do vírus SARS-CoV-2, e o que podemos fazer nesse sentido”, analisa o pesquisador.
Além de Marcelo, participaram do estudo os pesquisadores do INCA Mariana Ferreira, Luiz Claudio S. Thuler, Anke Bergmanna e Esmeralda Soares.
Referência: Ferreira, Mariana P.a; Thuler, Luiz Claudio S.a; Bergmann, Ankea; Soares, Esmeralda A.a,∗; Soares, Marcelo A.b,c,∗. Differential survival of Brazilian patients with diffuse large B-cell lymphoma with and without HIV infection. AIDS ():10.1097/QAD.0000000000003700, August 25, 2023. | DOI: 10.1097/QAD.0000000000003700