Resultados de estudo de coorte com mais de 20 milhões de mulheres brasileiras demonstrou o impacto da desigualdade econômica no aumento do risco de mortalidade por câncer de mama, destacando a importância das políticas sociais, como o Programa Bolsa Família. “Nossa pesquisa revelou que as mulheres que não recebiam o benefício do Bolsa Família tinham risco de morrer por câncer de mama quase 20% maior do que as mulheres que recebiam o benefício, mostrando que o Programa não só aumenta a renda, mas também tem efeitos na saúde, reduzindo o risco de mortalidade”, destaca Joanna Guimarães (foto), pesquisadora do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (Fiocruz-BA) e primeira autora do trabalho publicado no JAMA Network Open.
“As mulheres que vivem em áreas com alta segregação econômica têm menor probabilidade de receber cuidados adequados contra o câncer de mama e de ter acesso a recursos comunitários como transporte e educação, o que pode aumentar o risco de mortalidade pela doença”, contextualizaram os autores.
Neste estudo, o objetivo foi avaliar a associação entre segregação de renda e mortalidade por câncer de mama, e verificar se essa associação é diminuída pelo recebimento do programa Bolsa Família (PBF).
Este estudo foi realizado com dados da coorte 100 Milhões de Brasileiros, vinculados aos registros de mortalidade nacionais (2004-2015). Os dados foram analisados entre dezembro de 2021 e junho de 2023. As participantes do estudo foram mulheres com idade entre 18 e 100 anos. A segregação econômica do município de residência das mulheres (alta, média ou baixa) foi obtida usando dados de renda do censo brasileiro de 2010 e avaliada usando valores de índice de dissimilaridade em tercis (baixo [0,01-0,25], médio [0,26-0,32] e alto [0,33-0,73]).
O desfecho investigado foi a mortalidade por câncer de mama. Razões de taxas de mortalidade (MRRs) para a associação de segregação com mortes por câncer de mama foram estimadas usando regressão de Poisson ajustadas para idade, raça, escolaridade, tamanho da área do município, densidade populacional, área de residência (rural ou urbana) e ano de inscrição no Bolsa Família. Avaliou-se a interação entre segregação e recebimento de Bolsa Família (sim ou não) na associação com mortalidade (2004-2015).
Resultados
Foram analisados dados de 21.680.930 mulheres (idade média [DP], 36,1 [15,3] anos) e os resultados mostraram que quanto maior o nível de segregação do município, maior o risco de mortalidade por câncer de mama. A mortalidade foi maior entre mulheres que viviam em municípios com segregação alta (MRR ajustada [aMRR], 1,18; IC 95%, 1,13-1,24) e média (aMRR, 1,08; IC 95%, 1,03-1,12) em comparação com baixa segregação. Além disso, as mulheres que não recebiam o Bolsa Família tiveram maior mortalidade por câncer de mama em comparação com aqueles que recebiam o benefício (aMRR, 1,17; IC 95%, 1,12-1,22).
Ao separar as mulheres entre aquelas que recebiam e não recebiam o Programa Bolsa Família, as mulheres que não recebiam o Programa e viviam em municípios com alta segregação de renda tinham um risco 24% maior de morte por câncer de mama em comparação com aquelas que viviam em municípios com baixa segregação de renda (aMRR, 1,24: IC 95%, 1,14- 1,34); mulheres que recebiam o Bolsa Família e viviam em áreas com alta segregação de renda tinham um risco 13% maior de morte por câncer de mama em comparação com aquelas que viviam em municípios com baixa segregação de renda (aMRR, 1,13; IC 95%, 1,07-1,19; P-valor da interação = 0,008).
Ao separar as mulheres pelo tempo de recebimento do benefício, a segregação (alta versus baixa) foi associada a um aumento no risco de mortalidade apenas para as mulheres que recebiam o Bolsa Família há menos tempo (<4 anos: aMRR, 1,16; 95 IC%, 1,07-1,27). Para as mulheres que recebiam o benefício há mais tempo a associação não foi significativa (4-11 anos: aMRR, 1,09; IC 95%, 1,00-1,17) (P-valor da interação <0,001).
“Estas descobertas sugerem que as desigualdades na mortalidade por câncer de mama associadas ao local de residência podem ser diminuídas com o recebimento do Programa Bolsa Família, possivelmente através do aumento da renda da família e também devido às condicionalidades do Programa que aproximam as mulheres dos serviços de saúde, potencialmente ampliando o acesso a cuidados preventivos do câncer entre as mulheres. Esse maior acesso está associado à detecção e tratamento precoces, o que pode contribuir para a redução da mortalidade”, destacaram os autores.
“Os resultados mostraram que mulheres brasileiras que vivem em áreas com a alta segregação residencial, ou seja, áreas com alta concentração de pobreza, morrem mais por câncer de mama do que as mulheres que vivem em áreas menos segregadas, em um padrão dose-resposta (quanto maior o nível de segregação, maior o risco de mortalidade). Isso ocorre porque essas áreas tendem a ter menor atenção do poder público, e consequentemente menor oferta de serviços públicos de qualidade como saúde, educação, e ambientes alimentares não saudáveis. Além disso, esse foi o primeiro estudo que mostrou uma associação entre o Programa Bolsa Família e mortalidade por câncer de mama, tipo de câncer que mais mata mulheres no Brasil e no mundo. Nossa pesquisa mostrou que as mulheres que não recebiam o benefício do Bolsa Família tinham risco de morrer por câncer de mama quase 20% maior do que as mulheres que recebiam o benefício, mostrando que o Programa não só aumenta a renda das pessoas, mas também tem efeitos na saúde, reduzindo o risco de mortalidade”, conclui Joanna.
Além de Joanna, participam do estudo os pesquisadores Julia Pescarini (Fiocruz/BA e London School of Hygiene and Tropical Medicine); José Firmino Sousa Filho (Fiocurz/BA); Andrea Ferreira (Fiocruz/BA e Ubuntu Center on Racism, Global Movements and Population Health Equity, Drexel University Dornsife School of Public Health, Philadelphia); Maria da Conceição Chagas de Almeida (Instituto Gonçalo Moniz, Fiocruz/BA); Ligia Gabrielli (Secretaria de Saúde do Estado da Bahia); Isabel dos-Santos-Silva (London School of Hygiene and Tropical Medicine); Gervasio Santos (Fiocruz/BA); Mauricio L. Barreto (Fiocruz/BA e Universidade Federal da Bahia); e Estela M. L. Aquino (Universidade Federal da Bahia).
Referência: Guimarães JMN, Pescarini JM, Sousa Filho JFD, et al. Income Segregation, Conditional Cash Transfers, and Breast Cancer Mortality Among Women in Brazil. JAMA Netw Open. 2024;7(1):e2353100. doi:10.1001/jamanetworkopen.2023.53100