Pesquisadores do Instituto Nacional do Câncer (INCA) desenvolveram um protocolo que pode baratear os custos de produção para expandir os estudos com células CAR-T e permitir sua implantação no Sistema Único de Saúde (SUS). Depois dos bons resultados pré-clínicos já publicados1, Martin Bonamino (foto) e colegas se preparam para entregar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamento (DDCM), com a previsão de receber sinal verde para os estudos clínicos com CAR-T cells no INCA já no próximo ano. “É um esforço que pode assegurar acesso a uma tecnologia que está na fronteira do tratamento do câncer”, diz Martín.
Desde a aprovação da primeira terapia com células CAR-T pela agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA), casos de remissões espetaculares em malignidades de células B têm ocupado o noticiário, assim como os custos milionários dessa inovação. “A CAR-T [terapia com células T] é o medicamento mais caro do Medicare”, disse Brian Koffman, fundador da Chronic Lymphocytic Leukemia Society, nos Estados Unidos.
No Brasil, fica evidente que CAR-T cells a custos estimados em 475 mil dólares por infusão2 não são uma solução viável para um modelo universal de assistência e estão longe de garantir custo-efetividade para a saúde pública.
Ter como objetivo uma terapia para o Sistema Único de Saúde (SUS) faz toda a diferença no desenvolvimento do INCA. “Você tem maneiras, digamos, mais artesanais ou maneiras mais comerciais de fazer CAR-T”, compara Martín.
Na prática, o uso de vetores virais para induzir a expressão de receptores quiméricos de antígeno (CAR) está associado a altos custos de produção e de controle de qualidade, impactando o custo final das terapias com células CAR-T. Foi o que levou os pesquisadores do INCA a utilizar um sistema não-viral, a partir de versões modificadas por engenharia genética dos chamados transposons Sleeping Beauty (SB). O protocolo foi capaz de gerar células CAR-T 19BBz em 8 dias.
Nas análises pré-clínicas, as células CAR-T foram citotóxicas contra células de leucemia CD19+ in vitro e melhoraram as taxas de sobrevida global de modelos animais xenoenxertados com linhagens de células leucêmicas (RS4;11). Os resultados foram persistentes, refletindo a formação de células de memória, o que sugere potencial controle da doença a longo prazo1. “Juntos, esses resultados demonstram a eficácia do nosso protocolo e abrem caminho para uma aplicação mais ampla da terapia com células CAR-T”, analisa Bonamino. A previsão é iniciar a pesquisa clínica ainda em 2024, envolvendo 8 pacientes com Leucemia Linfoide Aguda (LLA) ou Linfoma Difuso de Grandes Células B (LDGCB).
PERFIL:O biomédico Martín Bonamino é um dos maiores especialistas em CAR-T cells no Brasil. Ele é pesquisador sênior do Instituto Nacional do Câncer e participa da coordenação da Rede FioCâncer, além de integrar a câmara técnica de trabalho da ANVISA para terapias avançadas, o Global Outreach Committee da American Society of Gene & Cell Therapy e o South and Central America Legal and Regulatory Affairs Committee da International Society for Cell and Gene Therapy.
Referências:
1 - Chicaybam L, Abdo L, Viegas M, Marques LVC, de Sousa P, Batista-Silva LR, Alves-Monteiro V, Bonecker S, Monte-Mór B, Bonamino MH. Transposon-mediated generation of CAR-T cells shows efficient anti B-cell leukemia response after ex vivo expansion. Gene Ther. 2020 Feb;27(1-2):85-95. doi: 10.1038/s41434-020-0121-4. Epub 2020 Jan 9. PMID: 31919448.
2 - Choi G, Shin G, Bae S. Price and Prejudice? The Value of Chimeric Antigen Receptor (CAR) T-Cell Therapy. Int J Environ Res Public Health. 2022 Sep 28;19(19):12366. doi: 10.3390/ijerph191912366. PMID: 36231661; PMCID: PMC9566791.