Adeylson Guimarães Ribeiro (foto), pesquisador da International Agency for Research on Cancer (IARC) e do Hospital de Câncer de Barretos, é primeiro autor de dois trabalhos que comparam os perfis de incidência e mortalidade para os principais tipos de câncer de acordo com variações geográficas e por nível socioeconômico no estado de São Paulo. “O objetivo é contribuir para a formulação de políticas de câncer, incluindo programas preventivos, de triagem e tratamento que possam reduzir o impacto futuro da doença nessas populações”, destacam os autores.
Nos estudos, os pesquisadores analisaram novos casos de câncer obtidos dos registros populacionais de câncer do Hospital de Câncer de Barretos (2003-2017) e do município de São Paulo (2001-2015). As mortes por câncer no mesmo período foram obtidas de um banco de dados público do governo federal. O estudo sobre variações geográficas considerou taxas padronizadas por idade por 100 mil pessoas-ano, para a população geral e específicas por sexo, para os 30 tipos de câncer mais frequentes. Mapas temáticos são apresentados para os cânceres mais comuns, por município para a região de Barretos e por distrito para São Paulo. No estudo que avaliou as diferenças por nível socioeconômico (do inglês, SES - socioeconomic status), foram avaliadas taxas padronizadas por idade para todos os cânceres combinados, e os seis cânceres mais comuns, calculadas por SES estratificados em quartil. Foi calculado também um índice absoluto de desigualdade para a incidência e mortalidade por câncer.
Variações geográficas
O estudo publicado no periódico Cancer Epidemiology demonstrou que os tumores de próstata e mama, juntamente com os de colorretal, foram os mais incidentes na região de Barretos e São Paulo, com o câncer de pulmão liderando em termos de mortalidade por câncer em ambas as regiões seguido pelo câncer colorretal. As maiores taxas de incidência e mortalidade foram observadas nos municípios ao nordeste da região de Barretos em ambos os sexos, enquanto elevadas taxas de incidência foram encontradas principalmente nos distritos paulistas de SES alto e muito alto, com taxas de mortalidade mais dispersas. As taxas de incidência de câncer de mama em São Paulo foram 30% maiores do que na região de Barretos, principalmente nos distritos de SES alto e muito alto, enquanto as taxas correspondentes de câncer de colo do útero apresentaram o perfil oposto, com taxas elevadas nos distritos de SES baixo e médio.
Os resultados demonstraram que existe uma diversidade substancial nos perfis de câncer nas duas regiões, por tipo de câncer e sexo, com uma clara relação entre a incidência de câncer e os padrões de mortalidade, com o correspondente nível socioeconômico observados no nível distrital na capital.
“Este é o primeiro estudo a explorar a incidência e mortalidade para 30 tipos de câncer, apresentando a variação geográfica para todos os tipos combinados e seis tipos mais comuns em duas regiões do estado de São Paulo com perfis demográficos bastante diferentes - São Paulo, um centro urbanizado altamente populoso, e a região de Barretos, representada por cidades de pequeno e médio porte. As variações geográficas na incidência e mortalidade revelam uma diversidade e disparidade substanciais em ambas as regiões, por tipo de câncer e sexo”, afirma Ribeiro.
Nível socioeconômico
Publicado na Cancer Medicine, o outro trabalho do grupo intensificou as análises das desigualdades em câncer identificando um claro gradiente entre SES e incidência de câncer em São Paulo, com taxas variando de 188,4 a 333,1 (por 100 mil pessoas-ano) em áreas de SES baixo a muito alto, respectivamente. Houve um gradiente social menor para mortalidade, com taxas em áreas de SES baixo a alto variando de 86,4 a 98,0 na região de Barretos, e de 99,2 a 100,1 em São Paulo. A magnitude das taxas de incidência aumentou acentuadamente com o aumento do SES na cidade de São Paulo para câncer colorretal, pulmão, mama feminina e próstata. Para o câncer de mama, áreas de SES muito alto apresentou taxa de incidência de 102,7 enquanto nas de SES baixo foi de 49,8. Por outro lado, tanto a incidência quanto a mortalidade por câncer cervical foram maiores em áreas com SES mais baixo em ambas as regiões.
“Nossos resultados mostraram uma clara associação do SES para tumores de próstata, mama feminina, colorretal e pulmão em São Paulo. Este estudo oferece uma melhor compreensão do perfil de incidência e mortalidade por câncer de acordo com o nível socioeconômico em um estado brasileiro altamente populoso”, concluíram os autores.
Para Ribeiro, com base em dados robustos de incidência e mortalidade por câncer em nível populacional ao longo de 15 anos, é evidente um contexto de desigualdades em câncer no Brasil em nível estadual. “Existem gradientes socioeconômicos claros na incidência e mortalidade de determinados tipos de câncer, especialmente no município altamente populoso de São Paulo. A extensão em que esses achados podem ser explicados depende do tipo de câncer, embora diferenciais na exposição histórica a fatores de risco subjacentes, bem como o grau de disponibilidade e adesão aos serviços preventivos, de diagnóstico precoce, triagem e curativos dentro do atual sistema de saúde, sejam essenciais”, avalia.
“Esperamos que estes estudos contribuam para uma melhor compreensão do perfil da incidência e carga de mortalidade por câncer no Estado de São Paulo, e que possa subsidiar políticas de câncer personalizadas para prevenção e controle, e, assim, minimizar o impacto futuro projetado do câncer na população”, conclui.
Referências:
1 - Adeylson Guimarães Ribeiro, Jacques Ferlay, Marion Piñeros, Maria do Rosário Dias de Oliveira Latorre, José Humberto Tavares Guerreiro Fregnani, Freddie Bray, Geographic variations in cancer incidence and mortality in the State of São Paulo, Brazil 2001–17, Cancer Epidemiology, Volume 85, 2023, 102403, ISSN 1877-7821, https://doi.org/10.1016/j.canep.2023.102403.
2 - Ribeiro, AG, Ferlay, J, Vaccarella, S, Latorre, MdRDd, Fregnani, JHTG, Bray, F. Cancer inequalities in incidence and mortality in the State of São Paulo, Brazil 2001–17. Cancer Med. 2023; 00: 1- 11. doi:10.1002/cam4.6259