Estudo publicado na Cancer, periódico da American Cancer Society (ACS), avalia a alocação de autoria e inscrição de pacientes entre países de renda alta (HIC) e renda média-baixa/média-alta (LMIC/UMIC) em ensaios clínicos randomizados (RCTs) oncológicos globais realizados entre 2014 e 2017. “Esse estudo é muito importante porque mostra o quão pouco países de média e baixa renda participam de estudos clínicos ditos globais”, afirma a oncologista Rachel Riechelmann (foto), coautora do trabalho.
Os ensaios clínicos randomizados (RCTs) oncológicos têm escopo cada vez mais global. No entanto, não é bem documentado se a autoria de tais estudos é compartilhada equitativamente entre investigadores de países de renda alta (HIC) e países de renda média-baixa/média-alta (LMIC/UMIC).
Entre 2014 e 2017, foram publicados 694 ensaios clínicos randomizados oncológicos; 636 (92%) foram liderados por investigadores de países de renda alta (HIC). Entre esses ensaios conduzidos por investigadores de países de renda alta, 186 (29%) pacientes foram inscritos em países de renda média-baixa/média-alta (LMIC/UMIC). Um terço (33%, 62 de 186) dos RCTs não teve autores de países de renda média-baixa/média-alta. Quarenta por cento (74 de 186) dos RCTs relataram inscrição de pacientes por país, e em 50% (37 de 74) desses estudos, LMIC/UMIC contribuiu com menos de 15% dos pacientes. A relação entre inscrição e proporção de autoria é muito forte e comparável entre países de renda média-baixa/média-alta e países de alta renda (Spearman ρ LMIC/UMIC 0,824, p < ,001; HIC 0,823, p < ,001). Entre os 74 estudos que relatam a inscrição por país, 34% (25 de 74) não têm autores de países de renda média.
Em síntese, entre os estudos que inscrevem pacientes em países de renda alta e renda média-alta/média-baixa, a autoria é proporcional à inscrição do paciente. No entanto, existem valores discrepantes importantes, pois uma proporção significativa de ensaios clínicos randomizados não teve nenhum autor de países de renda média, apesar de inscrever pacientes desses países. “Além disso, esta análise foi limitada pelo fato de que mais da metade dos RCTs não relatam a inscrição por país. Os editores de periódicos e o CONSORT (Consolidated Standards of Reporting Trials) devem exigir dos RCTs relatórios de inscrição de pacientes por país. Nossos resultados também demonstram que, na maioria dos RCTs globais, poucos pacientes de LMIC/UMIC estão inscritos”, afirmam os pesquisadores, observando que as razões para isso não são compreendidas, mas precisam ser abordadas se a comunidade oncológica pretende promover pesquisas que possam mudar a prática e os resultados em todo o mundo.
“Em uma era em que a diversidade é incentivada, e à medida que incentivamos a colaboração equitativa e a alocação de autoria, os líderes dos ensaios oncológicos devem garantir que os investigadores dos países de renda média-baixa/média-alta sejam envolvidos em cada etapa da pesquisa; seria um retrocesso se os investigadores LMIC/UMIC recebessem autoria honorária sem envolvimento significativo. Com a crescente capacidade de pesquisa, os investigadores desses países devem estar cada vez mais envolvidos não apenas no recrutamento de pacientes, mas também no empreendimento de pesquisa, incluindo desenho de estudos, análise, redação de manuscritos e apresentação de resultados”, defendem os autores do artigo.
A oncologista Rachel Riechelmann, diretora do Departamento de Oncologia do A.C. Camargo Cancer Center e presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG), observa que ainda que um terço dos pacientes sejam recrutados em países de baixa e média renda, de maneira alguma isso se reflete na liderança de tais estudos, e reflete muito pouco na participação intelectual dos investigadores de países de média e baixa renda, que também não participam das publicações desses estudos globais. “Os chamados estudos globais raramente são globais. O global acaba ficando muito restrito à Europa Ocidental e América do Norte. Pacientes da África, por exemplo, são ainda menos representados nesses estudos do que pacientes da América Latina. No geral, esses estudos não representam a real diversidade da população”, observa Rachel, acrescentando que muitos desses trabalhos levam a aprovação de drogas em diversos países, sem necessariamente contar com a representatividade da população global para avaliar a experiência com o tratamento. “As drogas são aprovadas e não se sabe como será o perfil de toxicidade, os desfechos clínicos em diferentes populações”, diz.
“Melhorar o nível de envolvimento de pesquisadores de países de baixa e média renda irá gerar pesquisas mais significativas para diversos sistemas de saúde, e permitirá que uma próxima geração de pesquisadores desenvolva habilidades e experiência para eventualmente liderar ensaios clínicos randomizados que abordem questões prioritárias em seus próprios sistemas de saúde”, conclui a publicação.
Referência: Rubagumya F, Fundytus A, Keith-Brown S, Hopman WM, Gyawali B, Mukherji D, Hammad N, Pramesh CS, Aggarwal A, Eniu A, Sengar M, Riechelmann RSR, Sullivan R, Booth CM. Allocation of authorship and patient enrollment among global clinical trials in oncology. Cancer. 2023 Jun 29. doi: 10.1002/cncr.34919. Epub ahead of print. PMID: 37382190.