Indivíduos previamente infectados pelo vírus da dengue apresentam mais que o dobro de risco de desenvolver leucemia em comparação com aqueles sem histórico de infecção pelo vírus. Os resultados do estudo realizado em Taiwan foram publicados no Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention, periódico da Associação Americana de Pesquisa do Câncer (AACR). O hematologista Nelson Hamerschlak (foto), coordenador do Programa de Hematologia e Transplantes de Medula Óssea do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), comenta o trabalho.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), por ano ocorrem cerca de 390 milhões de infecções por dengue, e aproximadamente de 3,9 bilhões de indivíduos estão em risco de infecção em todo o mundo. A dengue é mais prevalente em climas tropicais e subtropicais, geralmente em regiões urbanas e semiurbanas, e a doença é endêmica em mais de 100 países. Nas últimas décadas, a incidência global da doença aumentou drasticamente, e o número de casos relatados à OMS aumentou aproximadamente seis vezes entre 2010 e 2016.
“Estima-se que aproximadamente 15% dos cânceres humanos em todo o mundo sejam causados por infecções potencialmente evitáveis", disse Guey Chuen Perng, primeiro autor do trabalho e professor da Universidade Nacional Cheng Kung, em Taiwan. "A dengue, apesar de geralmente autolimitada, pode resultar em perfis hematológicos anormais e supressão da medula óssea. No entanto, ainda não se sabe se as pessoas com infecção prévia pelo vírus da dengue têm maior risco de desenvolver leucemia. Agora, este estudo fornece a primeira evidência epidemiológica da associação entre infecção pelo vírus da dengue e leucemia", observa.
O estudo
Perng e colegas analisaram dados populacionais do National Health Insurance Research Database (NHIRD) em Taiwan. Entre 2002 e 2011, eles identificaram 12.573 pacientes infectados por dengue confirmados em laboratório. Cinco indivíduos sem histórico de infecção pelo vírus da dengue (controles) foram selecionados no NHIRD para cada caso de dengue, representando 62.865 indivíduos; os controles foram pareados por idade, sexo, área de residência e ano da infecção. O acompanhamento terminou em 31 de dezembro de 2015.
Após controlar vários fatores, incluindo nível de renda mensal e comorbidades, os pesquisadores descobriram que aqueles com infecção prévia por dengue tinham mais do dobro do risco de desenvolver leucemia em comparação aos controles. Pacientes com dengue apresentaram maior risco de leucemia [HR ajustada, 2,03; 95% CI, 1,16–3,53]. Análises estratificadas por diferentes períodos de acompanhamento mostraram que a infecção pelo vírus da dengue estava significativamente associada a um maior risco de leucemia apenas entre 3 e 6 anos após a infecção (HR ajustada, 3,22; 95% CI, 1,25–8,32). Não foram encontradas associações significativas entre infecção prévia pelo vírus da dengue e o risco de linfoma ou outras neoplasias não hematológicas.
“O estudo é importante pois mostra uma evidência inicial de associação com HR de 2,0 em estudo caso controle. Como não conhecemos os gatilhos das mutações genéticas que causam leucemia, este dado deve ser melhor investigado em estudos em outras populações para verificar se os dados se validam”, afirma Hamerschlak. “Importante observar que devido a baixa frequência de leucemia entre populações afetadas e não afetadas por dengue, o achado deve ter sua importância analisada como primeira evidência, mas com muita cautela”, esclarece o especialista, professor livre-docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Outra limitação importante foi a impossibilidade de controlar certos fatores de risco de leucemia, incluindo fatores de estilo de vida e exposições ambientais, pois essas informações não estavam disponíveis no NHIRD. Além disso, os autores esclarecem que os indivíduos na coorte de dengue eram mais propensos a viver em áreas urbanizadas em comparação com aqueles do grupo controle.
O estudo foi financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia de Taiwan.
Referência: Risk of Leukemia after Dengue Virus Infection: A Population-Based Cohort Study - Yu-Wen Chien, Chia-Chun Wang, Yu-Ping Wang, Cho-Yin Lee and Guey Chuen Perng - DOI: 10.1158/1055-9965.EPI-19-1214 - Published OnlineFirst February 12, 2020