Estudo de pesquisadores da McGill publicado na Science sugere que a inflamação anormal desencadeada pelo sistema imunológico pode estar por trás do desenvolvimento de tumores gastrointestinais em pacientes com Síndrome de Peutz-Jeghers (PJS). Segundo os autores, os achados levam a repensar como os tumores gástricos se formam em pacientes com essa síndrome, e podem contribuir para potenciais novos tratamentos com base no alvo de inflamação. A oncologista Renata D'Alpino (foto), coordenadora de Tumores Gastrointestinais e Neuroendócrinos do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e membro do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG), comenta o trabalho.
Mutações germinativas no gene STK11, que codifica a quinase supressora tumoral B1 hepático (LKB1), promovem a síndrome de Peutz-Jeghers (PJS), uma síndrome de predisposição ao câncer caracterizada pelo desenvolvimento de pólipos gastrointestinais (GI). Aos 65 anos, os pacientes com a síndrome têm 90% mais chance de desenvolver câncer, incluindo câncer de pâncreas, estômago, ovário, colo do útero, cólon ou mama. Atualmente, não há cura para a doença, e os pacientes são monitorados quanto ao desenvolvimento de câncer e, muitas vezes, precisam de cirurgia para remover os pólipos, a fim de prevenir obstrução intestinal e sangramento.
A PJS é causada por uma versão mutada e inativa do gene STK11/LKB1, que atua como um supressor tumoral e regulador do crescimento, metabolismo, sobrevida e polaridade celular.
Acreditava-se que o papel do LKB1 na doença estivesse relacionado à sua função supressora tumoral. Agora, Poffenberger et al. demonstraram que a deleção heterozigótica específica de células T Stk11 é suficiente para reproduzir sintomas de PJS em modelos murinos. Os achados estabelecem a inflamação imunomediada como um marco da doença de PJS e destacam um papel crítico para células T mutadas Stk11 na progressão da PJS.
Os pólipos em camundongos e humanos são caracterizados por infiltração de células imunes, aumento da sinalização STAT3 e aumento dos níveis de citocinas inflamatórias, como a interleucina-6 (IL-6). Ter como alvo a sinalização de STAT3, IL-6 ou células T reduziu o crescimento dos pólipos, sugerindo possíveis abordagens terapêuticas.
“Este estudo mostra, mais uma vez, a importância da ciência básica para o tratamento do câncer. Apesar da PJS ser rara, a inflamação mediada pela deficiência de Stk11 nas células T está por trás da polipose e consequente desenvolvimento tumoral no trato gastrointestinal destes pacientes, e não uma anomalia da mucosa, como anteriormente se pensava. Esta descoberta abre um leque para futuras pesquisas com drogas que tenham como alvo o linfócito T, a via do STAT3 ou a IL-6, com o potencial de trazer resultados mais animadores para os portadores desta síndrome”, afirma a oncologista Renata D’Alpino.
“Nosso trabalho muda a maneira como pensamos sobre esta doença. Agora, o foco deve ser entender como o sistema imunológico contribui para o desenvolvimento de pólipos. Esperamos que nossa descoberta leve a novos tratamentos para pacientes com PJS e tumores gastrointestinais”, concluem.
A pesquisa foi financiada pela Canadian Cancer Society, Canadian Institutes of Health Research (CIHR), McGill Integrated Cancer Research Training Program e Fonds de Recherche du Québec – Santé (FRQS).
Referência: LKB1 deficiency in T cells promotes the development of gastrointestinal polyposis - M. C. Poffenberger et al - Science 27 Jul 2018: Vol. 361, Issue 6400, pp. 406-411 - DOI: 10.1126/science.aan3975