Onconews - Letrozol e fertilidade após o câncer de mama

Gravidez_NET_OK.jpgOktay et al apresentaram no JCO de agosto (vol. 33 nº 22) os resultados do estudo que avaliou o uso de letrozol em altas doses, por curto prazo, para a estimulação ovariana e criopreservação de embriões em mulheres diagnosticadas com câncer de mama, antes da quimioterapia. Os métodos de fertilização foram publicados em 2005 e agora os autores reforçam a segurança e eficácia do uso do letrozol em pacientes com câncer de mama sensível a estrógenos.

“Levando em consideração que, em pacientes com câncer de mama sensível aos estrógenos, a estimulação ovariana é potencialmente um agravante para o problema (pois aumenta a concentração plasmática de estradiol), os autores desenvolveram um protocolo de estimulação ovariana adaptado a essas pacientes”, analisa Jorge Haddad Filho, do setor de Reprodução Humana do Hospital São Paulo/Unifesp.

“Os pesquisadores utilizaram hormônio folículo-estimulante (FSH) associado a letrozol 5mg por dia. O letrozol é inibidor da aromatase, enzima que cataliza a transformação de andrógenos em estrógenos, com o que a concentração plasmática de estradiol se reduz. Com isso, ocorre um aumento da secreção de FSH da mulher (“feedback” negativo entre estradiol e FSH), o que estimula ainda mais o crescimento folicular nos ovários. Além disso, a redução do nível plasmático de estradiol diminui significativamente o agravo à doença”, explica o especialista. 

Métodos

O estudo envolveu 131 pacientes com estágio inicial de câncer de mama, com idade mediana de 36 anos. Um número significativo de pacientes tinha tumores que expressavam receptor de estrogênio (ER; 69%), e de acordo com a expressão do receptor hormonal, 57% das mulheres receberam tamoxifeno adjuvante. Uma parcela de 15% dos pacientes não recebeu qualquer tipo de quimioterapia. Quase 60% das mulheres tinham sido testadas para mutações de BRCA, e 18% dos pacientes do estudo tiveram confirmação de BRCA mutado.
 
Das 131 mulheres submetidas à criopreservação de embriões, apenas 33 (25%) retornaram para realizar a transferência de embriões, após preparo adequado do endométrio.
 
“Das 33 pacientes, 15 tiveram os embriões transferidos para útero de mulheres sem doença (“barriga de aluguel”), e a taxa de gravidez foi de aproximadamente 60%. As outras 18 transferiram os embriões para os próprios úteros, com taxa de gravidez de aproximadamente 50%”, acrescenta Haddad. A análise estatística não mostrou diferença entre essas duas taxas, similares às obtidas em pacientes não doentes.

Vinte pacientes ficaram grávidas, com uma idade média de 41,5 ± 4,3 anos, em média 5,25 anos após a criopreservação de embriões, e 17 de 33 mulheres tiveram pelo menos um nascimento vivo (52%). Apesar de um atraso de cinco anos, de 131 pacientes que possuíam colheita de oócitos antes de iniciar a quimioterapia, 17 (13%) tiveram um filho biológico a partir desta abordagem e após um seguimento médio de 40,4 ± 26,4 meses não foram relatadas anomalias fetais ou malformações.

“Embora o letrozol, em fetos animais, tenha sido capaz de produzir efeitos teratogênicos, os estudos clínicos não mostraram uma associação com anomalias embrionárias no homem”, conclui Haddad. Assim, os autores reforçam a segurança e eficácia do uso do letrozol em pacientes com câncer de mama sensível a estrógenos.
 
Neste estudo, as taxas de sucesso de transferência de embriões congelados são compatíveis com dados já conhecidos. A proporção de nascidos vivos é menor em mulheres acima de 35 anos, diminui para 29% em mulheres com mais de 37 anos e para menos de 20% em mulheres acimade 40 anos. 
 
A viabilidade, métodos e taxas de sucesso para a colheita de oócitos e criopreservação de oócitos e embriões é bem estabelecida na literatura. O uso de letrozol em doses maiores e por períodos mais curtos é uma opção adaptada às necessidades especiais dos pacientes com câncer, em quem a exposição a altas doses de estrogênio é contraindicada. Os dados encorajam os pacientes a atrasar a gravidez para completar a terapia adjuvante.
 
A criopreservação de embriões antes da terapia adjuvante permite que pacientes com câncer de mama ER-positivos possam realizar a terapia hormonal recomendada, de 10 anos, preservando o desejo do filho biológico. A criopreservação de embriões também pode ser uma opção importante para mulheres com mutação BRCA. 

Opções

Opções alternativas para a preservação da fertilidade incluem o uso de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) durante a quimioterapia adjuvante para neutralizar o impacto do tratamento oncológico na função ovariana. A co-administração de curto prazo de agonistas da GnRH com quimioterapia tem sido relatada em vários estudos.
 
Dados do ensaio POEM mostraram que a adição de goserelina à quimioterapia diminui o risco de falência ovariana induzida por quimioterapia, mas as taxas de gravidez são baixas e em mulheres mais jovens. Em pacientes com tumores receptores hormonais positivos, a segurança e benefício de agonistas deGnRHpor curto prazo durante a quimioterapia permanece menos clara como abordagem para preservar a função ovariana.
 
Dados dos estudos ATTOM e ATLAS mostram o benefício da terapia hormonal prolongada com o uso de tamoxifeno adjuvante por 10 anos. As recomendações sugerem a supressão dos ovários e o uso combinado de inibidores da aromatase como terapia adjuvante para mulheres jovens com tumores de alto risco.
 
Os ensaios TEXT e SOFT distribuíram aleatoriamente pacientes para receber inibidores de aromatase ou tamoxifeno, com ou sem ablação ovariana. Os dois estudos sugerem benefício da utilização combinada de intervenções hormonais, pelo menos para pacientes de alto risco.
 
Além disso, vários estudos mostraram um maior benefício da quimioterapia adjuvante em pacientes com menopausa induzida por quimioterapia. O estudo B30 do grupo de pesquisa NSABP avaliou os efeitos da amenorréia prolongada e demonstrou impacto nos resultados de sobrevida, mesmo em pacientes com ER negativo.
 
Estudos anteriores sugeriram que a supressão ovariana com goserelina (Zoladex; AstraZeneca, Wilmington, DE) pode ser tão eficaz quanto a utilização de quimioterapia adjuvante, e que a supressão ovariana com goserelina após quimioterapia adjuvante com ciclofosfamida, metotrexato, e fluorouracil melhora os resultados globais.
 
O estudo de Oktay et al demonstra que os pacientes com câncer de mama podem ter estratégias alternativas para ter um filho biológico, opção particularmente relevante para pacientes com doença ER-positivo ou mutações germinativas. Os dados apresentados demonstram a viabilidade de prosseguir a estimulação ovariana com letrozol de curto prazo antes do início da quimioterapia para o câncer de mama.
 
Referência: Fertility Preservation Success Subsequent to Concurrent Aromatase Inhibitor Treatment and Ovarian Stimulation in Women With Breast CancerJCO Aug 1, 2015:2424-2429