Resultados dos três primeiros estudos randomizados de de-escalonamento de dose em pacientes com câncer de orofaringe HPV-positivo mostraram claro prejuízo na sobrevida quando a cisplatina foi omitida ou substituída. A partir desses resultados, o Grupo Internacional de Câncer de Cabeça e Pescoço publicou recomendações para futuros estudos nessa população de pacientes. A oncologista Aline Lauda Chaves (foto), presidente do Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço (GBCP) e médica da clínica DOM Oncologia, analisa o trabalho.
“No Brasil, assim como em outros países, a incidência do câncer de orofaringe relacionados ao HPV (p16 positivo) está aumentando. No entanto, os estudos randomizados que avaliam a desintensificação do tratamento destes pacientes se mostraram negativos até o momento, não nos permitindo adotar essa prática no nosso dia a dia”, destaca Aline.
O câncer de orofaringe HPV-positivo demonstra sobrevida global (SG) significativamente melhor em comparação aos tumores HPV-negativos de cabeça e pescoço, especialmente no grupo de menor risco (TNM 7: T1-T3 N0-N2 não fumantes), conforme identificado no estudo RTOG 0129. Informações como essas deram amparo ao racional de reduzir a intensidade do tratamento, considerando que grande parte desses pacientes viverá por várias décadas com sequelas tardias principalmente funcionais.
Os três estudos nos quais esse paper se baseou foram o RTOG1016, DE-Escalate e NRG HN002. Os dois primeiros demonstraram que a substituição da cisplatina pelo cetuximabe concomitante a radioterapia diminuiu o controle da doença local e diminuiu a sobrevida dos pacientes. No DE-Escalate, a 2 anos para o braço de cisplatina e cetuximabe foi 97,5% versus 89,4%, respectivamente, com uma hazard ratio (HR) de 5,0 (95% CI, 1,7 a 14,7; P 5, 001). No RTOG1016, a sobrevida global estimada em 5 anos foi de 84,6% (95% CI, 80,6% a 88,6%) versus 77,9% (95% CI, 73,4% a 82,5%) a favor do braço da cisplatina.
O NRG HN002 avaliou A IMRT isolada (60 Gy em 5 semanas) ou IMRT fracionado padrão (60 Gy em 6 semanas) mais cisplatina semanal (40 mg / m2 / semana). A hipótese primária do estudo foi que um ou ambos os braços atingissem uma taxa de SLP em 2 anos ≥ 85% sem toxicidade inaceitável para a deglutição, definida como a pontuação média do MDADI em 1 ano ≥ 60. Os resultados preliminares mostraram que apenas o braço IMRT mais cisplatina atendeu aos critérios pré-especificados.
Mas, afinal, que lições podem ser extraídas até agora dos estudos de de-escalonamento de dose? “A primeira lição é que cisplatina e RT são um regime altamente eficaz nos tumores de orofaringe HPV-positivos. O de- escalonamento (especialmente com a retirada ou substituição da cisplatina) pode trazer resultados inesperados e prejudiciais para os pacientes e, portanto, devemos proceder com cautela e somente em um cenário de ensaio clínico, sob monitoramento cuidadoso”, recomendam os autores.
Neste artigo, Mehanna et al. destacam que a dose de cisplatina de 100 mg / m2 a cada 3 semanas com 70 Gy de radioterapia é o regime apoiado pela mais robusta base de evidências e continua sendo o padrão de tratamento. A cisplatina na dose semanal de 40 mg / m2 durante a radioterapia também é amplamente utilizada.
“A segunda lição é que os ensaios randomizados de Fase II podem identificar um prejuízo sem a necessidade de prosseguir para ensaios de Fase III”, sustenta a publicação. “Idealmente, esses ensaios devem comparar o novo paradigma com o padrão atual de tratamento para melhor orientar a decisão de avançar para um estudo de fase III. No entanto, como foi visto no NRG HN002, também pode haver mérito na comparação de dois regimes experimentais diferentes em um cenário de fase II para identificar qual deles deve avançar para uma comparação com o padrão de atendimento”, argumentam os autores.
A terceira lição elencada por Mehanna et al. é que a disciplina do câncer de cabeça e pescoço deve considerar paradigmas alternativos ao de-escalonamento de dose, sem a necessidade de diminuir a intensidade do tratamento.
“Enquanto novos estudos estão em andamento, o que podemos fazer de melhor para nossos pacientes com câncer de orofaringe é o diagnóstico correto (avaliação da positividade de p16 por imunohistoquímica, com positividade de pelo menos 70%), estadiamento correto (através da nova edição da AJCC 8ª. Edição) e tratamento correto (baseado na AJCC 7ª edição), sem desintensificar, e com todo suporte de equipe multidisciplinar integrada)”, conclui Aline.
Referência: Mehanna, H., Rischin, D., Wong, S. J., Gregoire, V., Ferris, R., Waldron, J., … Porceddu, S. (2020). De-Escalation After DE-ESCALATE and RTOG 1016: A Head and Neck Cancer InterGroup Framework for Future De-Escalation Studies