Artigo de revisão descreve as questões relacionadas ao manejo da leucemia linfocítica crônica em alguns países com recursos limitados nos continentes africano, asiático e sul-americano, com foco na base de evidências para informações epidemiológicas e clínicas sobre a doença, a disponibilidade de recursos diagnósticos e terapêuticos e a participação em ensaios clínicos. O trabalho foi publicado no The Cancer Journal, em artigo que tem o onco-hematologista Carlos Chiattone (foto), da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) e do Hospital Samaritano, como primeiro autor.
Durante os últimos 25 anos, foram alcançados avanços na compreensão das características biológicas e da história natural da leucemia linfocítica crônica (LLC) que impactaram a prática clínica. Como resultado dessas mudanças, a estratificação prognóstica e o manejo dos pacientes evoluíram consideravelmente neste campo. Em meados dos anos 2000, a quimioimunoterapia se tornou o tratamento padrão para LLC, mas novos agentes que visam as vias moleculares com relevância patogênica neste ambiente clínico e de doenças com prognóstico heterogêneo estão progressivamente tomando o lugar da quimioimunoterapia.
“Apesar dos avanços, uma grande parcela da população mundial reside em países onde o acesso a muitos desses avanços permanece indisponível ou sujeito a severas restrições. Embora alguns desses países apresentem taxas de incidência de LLC mais baixas do que as dos países ocidentais desenvolvidos, um grande número de pacientes é diagnosticado com LLC nessas regiões todos os anos”, afirma a publicação.
Em muitos desses países com menos recursos, o acesso a cuidados médicos de alta qualidade é oferecido com atraso, indisponível ou consideravelmente heterogêneo, no sentido de que sua disponibilidade varia de acordo com disparidades socioeconômicas e diferenças nas políticas de saúde. “Isso é particularmente evidente quando se trata de novos agentes farmacológicos, cujos custos costumam ser proibitivos em países com menos recursos ou em certos contextos socioeconômicos nesses países”, observam os autores.
As restrições na assistência à saúde em países com menos recursos não são apenas em termos de acesso a tratamentos de última geração, mas também em testes moleculares, algo que compromete a estratificação prognóstica e a avaliação dos fatores preditivos necessários para fazer escolhas corretas de tratamento.
“Evidentemente, a situação não é exclusiva da LLC e foi descrita em outros contextos de doenças crônicas não transmissíveis, e é improvável que essa situação se altere nesses países por vários anos. A falta de dados epidemiológicos robustos, ensaios clínicos envolvendo pacientes desses países e pesquisas de mercado para o “valor” desses medicamentos no contexto de países com menos recursos são todos obstáculos no tratamento de pacientes nesses países”, destacam os autores, acrescentando que outro aspecto que precisa ser considerado é o preço dos novos medicamentos. “A maioria das novas moléculas não está disponível para o tratamento da maioria dos pacientes com LLC em países com menos recursos pois os custos desses medicamentos estão além do alcance de financiamento público ou autofinanciamento, que são as principais modalidades de pagamento na maioria desses países. Mesmo nos Estados Unidos, foram expressas preocupações sobre o impacto econômico de novos tratamentos para LLC, uma situação provavelmente insustentável em países com menos recursos”, avaliam.
O artigo ressalta que conforme alegado pelas indústrias farmacêuticas, se o custo do medicamento for determinado pelo custo total de pesquisa e desenvolvimento dividido pelo número de pacientes tratados globalmente durante o ciclo de vida do medicamento, considerando todos os pacientes elegíveis, inclusive de países com menos recursos, o preço do medicamento pode ser mais barato.
“O preço final do medicamento não é determinado pela capacidade de pagamento do sistema de saúde, mas pelo poder de negociação do país, o que também não favorece os países mais pobres. A maior parte da pesquisa clínica no desenvolvimento desses medicamentos é feita em países desenvolvidos e essas sociedades já se beneficiaram disso, pois uma proporção substancial de pacientes recebe esses medicamentos gratuitamente, e as unidades de teste são reembolsadas pelo custo de execução dos testes; portanto, o dinheiro envolvido é distribuído nessas sociedades”, esclarecem.
Como sugestão, os autores propõem considerar diferentes modelos de precificação para disponibilizar esses medicamentos também a países com menos recursos, ao considerar o número absoluto de pacientes a serem tratados nesses países.
“Os desafios que ainda precisam ser enfrentados incluem o desenvolvimento de registros unificados em todo o país, diretrizes de gestão aplicáveis a cada país, maior disponibilidade de ferramentas de prognóstico, acesso a novos medicamentos e políticas que garantam que esses medicamentos sejam acessíveis a todos os pacientes em todo o mundo”, concluem os autores.
Referência: Chiattone CS, Gabus R, Pavlovsky MA, Akinola NO, Varghese AM, Arrais-Rodrigues C. Management of Chronic Lymphocytic Leukemia in Less-Resourced Countries. Cancer J. 2021 Jul-Aug 01;27(4):314-319. doi: 10.1097/PPO.0000000000000533. PMID: 34398558.