Vários ensaios randomizados investigaram os efeitos terapêuticos da irradiação parcial da mama em comparação com a irradiação total da mama. Meta-análise de Haussmann et al. buscou comparar eventos adversos agudos e tardios, resultados cosméticos e dados de qualidade de vida (QV). O radio-oncologista Rodrigo Hanriot (foto), do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, analisa os principais achados.
Os pesquisadores revisaram sistematicamente a literatura em busca de ensaios randomizados para comparar irradiação parcial da mama (PBI, sigla de partial breast irradiation) e irradiação total da mama (WBI, de whole breast irradiation) no câncer de mama em estágio inicial, considerando estudos publicados depois de 2009. A revisão compreendeu eventos adversos agudos e tardios disponíveis. Além disso, foram avaliados os resultados cosméticos, assim como a qualidade de vida geral e específica das mamas, a partir de inquéritos validados (QLQ-C30 e QLQ-BR23 da EORTC).
Foram identificados 16 estudos (n = 19.085 pacientes). Os resultados publicados na Radiation Oncology mostram que a PBI foi associada a menor prevalência em qualquer toxicidade aguda de grau 1 + e toxicidade cutânea de grau 2 + (OR = 0,12; IC 95% 0,09–0,18; p < 0,001); (OR = 0,16; IC 95% 0,07–0,41; p < 0,001). Os autores descrevem que não houve diferença significativa nos eventos adversos tardios entre os dois tratamentos, nem em quaisquer resultados cosméticos desfavoráveis, avaliados por profissionais médicos ou pacientes.
A meta-análise aponta, ainda, que a técnica PBI usando EBRT com esquemas de fracionamento duas vezes ao dia resultou em pior cosmese avaliada pelos pacientes (n = 3215; OR = 2,08; IC 95% 1,22–3,54; p = 0,007) em comparação com WBI. Esquemas máximos de EBRT uma vez ao dia (n = 2.071; OR = 0,60; IC 95% 0,45–0,79; p < 0,001) e IORT (p = 0,042) resultaram em melhores resultados cosméticos na perspectiva de profissionais médicos. A QV funcional e baseada em sintomas na escala C30 não foi diferente entre PBI e WBI. A QV específica da mama foi superior após PBI nos subdomínios de “efeitos colaterais da terapia sistêmica”, bem como nos domínios “sintomas na mama” e “sintomas no braço”.
Em síntese, a análise de vários ensaios randomizados demonstra superioridade da irradiação parcial da mama na toxicidade aguda, bem como na qualidade de vida específica da mama, quando comparado à irradiação de toda a mama. As toxicidades tardias e os resultados cosméticos foram semelhantes. A técnica PBI com fracionamento de horários duas vezes ao dia resultou em pior cosmese avaliada pelos pacientes.
Nesta publicação, Haussmann e colegas destacam que várias tentativas têm sido apresentadas para desintensificar o tratamento do câncer de mama em estágio inicial. A omissão da irradiação adjuvante de toda a mama foi estudada em vários ensaios randomizados. Meta-análises já publicadas estabeleceram que a omissão da irradiação de toda a mama não afeta a sobrevida global em pacientes selecionados, mas está associada a uma taxa significativamente maior de recorrência local. A irradiação parcial da mama, que limita a radioterapia ao tecido adjacente ao leito tumoral, foi projetada para ser administrada em períodos de tratamento mais curtos, como opção conveniente para pacientes e prestadores de cuidados de saúde.
A seleção equilibrada entre over treatment e under treatment
* Por Rodrigo Hanriot
A busca pela desintensificação do tratamento ou da seleção equilibrada entre over treatment e under treatment é contínua na radioterapia, e esta, como a terapia adjuvante mais associada ao tratamento do câncer de mama, recebe a atenção de diversos estudos. Conforme comentado, a omissão de radioterapia não impactou em sobrevida global, mas sim em recidivas loco-regionais, dificultando sua omissão.
Com o conhecimento de que as recidivas locais ocorrem em sua vasta maioria no leito da lesão primária ressecada, o interesse por irradiação parcial da mama (PBI) vem de pelo menos duas décadas de estudos prospectivos. Porém, existem critérios mais restritos para emprego de irradiação parcial de mama, como monoterapia, impedindo-a de se tornar universal. Neste cenário, a irradiação de toda a mama, especialmente com regimes mais modernos de hipofracionamento em 15 frações ou especialmente o ultra-hipofracionamento em 5 frações, tornam a irradiação externa mais acessível, menos onerosa e tão custo-efetiva quanto a PBI.
Sob risco de se tornar sem sentido com os novos regimes de irradiação de toda a mama, a PBI precisaria mostrar algum benefício. E este veio com menor impacto na toxicidade aguda e menor impacto em curto prazo na qualidade de vida, com ambas as técnicas se igualando a longo prazo, tanto na referência dos profissionais de saúde quanto na das pacientes. O único regime de irradiação parcial de mama foi um dos sub-grupos estudados pelo NSAPB B-39 de PBI com irradiação externa hiperfracionada BID em 5 dias.
Se o benefício cosmético e a avaliação pessoal das pacientes quanto à qualidade de vida relativa aos dois métodos não trouxe diferenças marcantes a ponto de justificar uma mudança na prática clínica, outra, não considerada neste estudo, mas de vital importância identificada em outras meta-análises, é que a irradiação parcial de mama tem potencial impacto em reduzir a mortalidade não-câncer específica, especialmente cardiovascular. Considerando esta informação, a irradiação parcial de mama volta a figurar na disputa do tratamento adjuvante do câncer de mama com a irradiação de toda a mama. Aguardemos o resultado dos trials em andamento com foco em sobrevida global de longo prazo.
Referência: Haussmann, J., Budach, W., Corradini, S. et al. Comparison of adverse events in partial- or whole breast radiotherapy: investigation of cosmesis, toxicities and quality of life in a meta-analysis of randomized trials. Radiat Oncol 18, 181 (2023). https://doi.org/10.1186/s13014-023-02365-7