Artigo de Siva et al. publicado no Lancet Oncology reportou resultados de meta-análise avaliando 5 anos da radioterapia ablativa estereotáxica corporal (SABR) no tratamento do carcinoma de células renais localizado. O estudo foi realizado pelo consórcio IROCK (the International Radiosurgery Consortium of the Kidney) e demonstrou que SABR é uma opção eficaz e segura a longo prazo nessa população de pacientes. Bernardo Salvajoli (foto), médico especialista em radioterapia, comenta os resultados.
Neste estudo, os pesquisadores realizaram uma metanálise de dados de pacientes com carcinoma primário de células renais, considerando indivíduos submetidos a SABR em 12 instituições, em cinco países (Austrália, Canadá, Alemanha, Japão e EUA). Foram elegíveis pacientes adultos (≥ 18 anos) sem terapia local anterior, com pelo menos 2 anos de acompanhamento. A SABR foi administrada em frações (únicas ou múltiplas) de mais de 5 Gy. O endpoint primário foi falha local avaliada pelo investigador, de acordo com os Critérios de Avaliação de Resposta em Tumores Sólidos (RECIST v1.1).
Um total de 190 pacientes receberam SABR entre 23 de março de 2007 e 20 de setembro de 2018, majoritariamente homens (74%), com mediana de idade de 73,6 anos (IQR 66,2–82,0). A SABR de fração única foi administrada em 81 (43%) pacientes, enquanto 109 (57%) pacientes receberam SABR de múltiplas frações. O acompanhamento mediano foi de 5,0 anos (IQR 3,4–6,8).
Da população avaliada, o diâmetro médio do tumor foi de 4,0 cm (IQR 2,8–4,9). Os autores descrevem que 96 (75%) de 128 pacientes foram considerados inoperáveis pelo urologista de referência e 56 (29%) de 190 pacientes tinham um único rim. A taxa de filtração glomerular estimada na linha de base (eGFR) foi de 60,0 mL/min por 1,73 m2 (IQR 42,0–76,0) e diminuiu em 14,2 mL/min por 1,73 m2 (IQR 5,4 –22,5) em 5 anos pós-SABR. Sete (4%) pacientes necessitaram de diálise pós-SABR. A incidência cumulativa de falha local em 5 anos foi de 5,5% (95% CI 2,8–9,5) e a SABR de fração única produziu menos falhas locais do que a multifração (Gray's p=0,020).
Em relação ao perfil de segurança, não houve efeitos tóxicos de grau 3 ou mortes relacionadas ao tratamento. Um (1%) paciente desenvolveu úlcera duodenal aguda de grau 4 e gastrite tardia de grau 4.
“SABR é eficaz e segura a longo prazo para pacientes com carcinoma primário de células renais. A SABR de fração única pode produzir menos falha local do que a multifração, mas são necessárias mais evidências de ensaios randomizados para elucidar os esquemas ideais de tratamento”, concluem os autores, destacando que esses achados fornecem suporte adicional para SABR renal como opção de tratamento para pacientes que não desejam ou são incapazes de se submeter à cirurgia.
Radioterapia ablativa em tumores renais
Por Bernardo Salvajoli, médico especialista em radioterapia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital do Coração (HCorOnco)
Tumores de células renais são 3% de todos os tumores em adultos e sua incidência e diagnóstico vem aumentando com o envelhecimento populacional e melhores métodos de diagnóstico por imagem, como ressonância magnética, por exemplo. Nas últimas décadas, as opções terapêuticas para este tipo de tumor aumentaram, sendo a radioterapia ablativa (SABR / SBRT) uma das caçulas, mas com dados bastante promissores.
Cirurgia ou observação em casos mais iniciais são os tratamentos mais difundidos para tratamento do câncer de células renais. Porém, muitos pacientes não são bons candidatos cirúrgicos mesmo utilizando técnicas menos invasivas como laparoscopia ou cirurgia robótica. Mais recentemente, as ablações por agulha (radiofrequência ou crioablação) se tornaram uma ótima opção terapêutica, com dados de controle local e toxicidade muito bons. Mesmo sendo um método ainda menos invasivo, existem limitações, como por exemplo a necessidade de sedação e piores resultados para tumores maiores que 3-4cm.
Nesse cenário que surge a SBRT. O consórcio IROCK está coletando dados prospectivos de múltiplos centros pelo mundo de excelência em radioterapia. Esta publicação traz dados mais maduros com resultados excelentes de controle local em 5 anos, sem toxicidades relevantes e ótima preservação da função renal, com possibilidade de tratar lesões maiores e até mesmo em alguns pacientes com rim único.
Existem inúmeras dúvidas sobre dose de radiação, fracionamento, resultados de mais longo prazo e comparações diretas com outras modalidade terapêuticas. Porém, com esse estudo e outras séries já é possível incluir a radioterapia ablativa no nosso arsenal terapêutico contra os tumores renais. Aparentemente, uma única sessão de 25Gy tem se mostrado muito efetiva, capaz de vencer a tradicional radio-resistência dos tumores renais e ainda por cima capaz de tratar pacientes não candidatos cirúrgicos e com tumores grandes(>4cm), mantendo ótimas taxas de controle local (>94%), baixíssima toxicidade e de forma totalmente não invasiva.
Referência: Shankar Siva, Muhammad Ali, Rohann J M Correa, Alexander Muacevic, Lee Ponsky, Rodney J Ellis, Simon S Lo, Hiroshi Onishi, Anand Swaminath, Mark McLaughlin, Scott C Morgan, Fabio L Cury, Bin S Teh, Anand Mahadevan, Irving D Kaplan, William Chu, William Grubb, Raquibul Hannan, Michael Staehler, Andrew Warner, Alexander V Louie. 5-year outcomes after stereotactic ablative body radiotherapy for primary renal cell carcinoma: an individual patient data meta-analysis from IROCK (the International Radiosurgery Consortium of the Kidney), The Lancet Oncology, Volume 23, Issue 12, 2022, Pages 1508-1516, ISSN 1470-2045, https://doi.org/10.1016/S1470-2045(22)00656-8.