Onconews - Monitoramento digital de sintomas utilizando dados relatados pelo paciente

caponero 2019 bxUm sistema de monitoramento digital de sintomas no qual os pacientes em tratamento contra o câncer relatam os sintomas por meio de pesquisas domiciliares semanais levou a um melhor controle dos sintomas e função física. Os resultados são de estudo apresentado durante a sessão inaugural da American Society of Clinical Oncology (ASCO) Plenary Series. “O primeiro passo para o controle de sintomas é identificá-los. Por incrível que pareça, avaliamos mal os sintomas, de forma incompleta e em momentos inadequados”, observa Ricardo Caponero (foto), oncologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “Contamos também com o grande inimigo do "é normal", e por ser "normal", não é identificado, nem relatado”, acrescenta.

Os sintomas são comuns durante o tratamento do câncer, mas muitas vezes passam despercebidos pela equipe de cuidados. Os sistemas digitais de pesquisa de resultados relatados pelo paciente (PRO) podem detectar os sintomas precocemente e levar os médicos a intervir, aliviando assim o sofrimento e evitando complicações.

Nesse ensaio clínico randomizado por agrupamento, um total de 52 centros oncológicos comunitários nos Estados Unidos foram randomizados 1: 1 para monitoramento digital de sintomas com pesquisas de resultados relatados pelo paciente (PROs) ou para o controle de tratamento usual. Foram elegíveis pacientes em tratamento sistêmico para câncer metastático. A coorte do estudo incluiu 1.191 pacientes, com 593 pacientes em práticas PRO e 598 pacientes em práticas de controle.

Nas práticas de PROs, os participantes foram convidados a responder a uma pesquisa semanal pela web ou por sistema telefônico automatizado por até um ano. A pesquisa incluiu perguntas sobre nove sintomas comuns, performance status e pioras de sintomas.

Os sintomas graves ou agravados disparavam alertas eletrônicos para os enfermeiros da equipe de atendimento, e relatórios mostrando dados dos sintomas ao longo do tempo foram disponibilizados aos oncologistas durante as visitas presenciais ou teleconsultas. Os desfechos secundários pré-especificados incluíram impacto na função física, controle dos sintomas e qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS). O resultado primário da sobrevida ainda não está maduro.

Resultados

Em comparação com os pacientes incluídos no grupo de práticas de controle, 13,8% mais pacientes no grupo PRO observaram benefícios clinicamente significativos na função física (avaliado pelo EORTC QLQ-C30, um questionário que avalia o estado de saúde na semana anterior; P = 0,009); 16,1% mais pacientes relataram melhora no controle dos sintomas (náuseas / vômitos, dor, dispneia, constipação, diarreia, insônia, perda de apetite, fadiga; P = 0,003); e 13,4% mais pacientes no grupo PRO apresentaram melhora na qualidade de vida relacionada à saúde (P = 0,006).

As alterações médias em relação à situação basal foram superiores com PRO versus controle para função física (diferença média 2,47, IC 95% 0,41-4,53; P = 0,02), controle de sintomas (2,56, 0,95-4,17; P = 0,002) e HRQL (2,43, 0,90 -3,96; P = 0,002). Os pacientes completaram 20.565/22.486 (91,5%) das pesquisas semanais esperadas do PRO. Os enfermeiros da equipe de cuidados responderam às notificações sobre sintomas graves ou agravantes em 59% das vezes, mais comumente realizando contatos telefônicos para aconselhamento sobre o manejo dos sintomas, medicamentos de suporte ou marcação de novas consultas.

Em conclusão, o monitoramento digital dos sintomas durante o tratamento do câncer demonstrou conferir benefícios clínicos. “Permitir que os pacientes relatassem seus sintomas e efeitos colaterais diretamente à equipe de tratamento do câncer entre as visitas levou a uma melhor comunicação com a equipe, melhor gerenciamento dos sintomas e melhor qualidade de vida”, destacam os autores.

Para Ethan Basch, oncologista do UNC Lineberger Comprehensive Cancer Center e primeiro autor do estudo, o trabalho fornece evidências de que uma tecnologia simples para investigar junto aos pacientes sobre seus sintomas é viável, melhora significativamente o gerenciamento dos sintomas e produz melhores resultados clínicos. “Para que esse tipo de sistema funcione, é essencial não apenas ter uma alta participação do paciente, mas também um forte comprometimento da equipe de saúde”, afirma.

Segundo Caponero, as consultas oncológicas são ricas em discussões acerca da doença e do tratamento, sobrando pouco tempo para a busca ativa de sintomas. “Tendo que discutir se o tumor cresceu ou não, se surgiu uma recidiva, e se o paciente tem dormido bem, a insônia é esquecida. Muitos sintomas (se não a totalidade deles) são subtratados por não serem adequadamente identificados e graduados. Se não se identifica, não é um problema, e não se trata”, diz.

“Há alguns anos o Ethan Basch vem se debruçando sobre isso e desenvolvendo formas mais fáceis de captar os sintomas dos pacientes. Mas não adianta só identificar! Aliado a identificação dos sintomas vai um protocolo de intervenção, presencial ou por programas de telemedicina bem estruturados. Os diários dos pacientes foram substituídos por versões eletrônicas mais práticas e a identificação dos sintomas se ampliou”, observa, ressaltando que os dispositivos utilizáveis ("weareable") nem sempre irão capturar sintomas como perda de libido, fadiga, depressão, etc. “E o sintoma, por definição, não é um "sinal" mensurável. Ele é o que o paciente sente, é subjetivo, geralmente não mensurável, mas seguramente avaliável de forma simples e reprodutível”, acrescenta.

“A monitorização dos sintomas permite também que avaliemos se nossas intervenções estão sendo satisfatórias, o que é essencial, e é o passo inicial para o bom controle do mesmo e para o incremento da qualidade de vida, independentemente do desfecho da evolução da neoplasia”, conclui.

Referência: Abstract 349527: Digital symptom monitoring with patient-reported outcomes in community oncology practices: A U.S. national cluster randomized trial.  - Ethan Basch et al