Estudo liderado por pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center demonstrou, pela primeira vez, a necessidade de carregar mutações bialélicas no gene TP53 para apresentar instabilidade do genoma e um fenótipo clínico de alto risco na síndrome mielodisplásica. Os resultados do trabalho foram publicados na Nature Medicine, em artigo que conta com a participação dos onco-hematologistas brasileiros Fabio Pires (na foto, à esquerda), do Hospital Israelita Albert Einstein, e Ronald Pinheiro, da Universidade Federal do Ceará.
O TP53 é o gene mais frequentemente mutado no câncer, e essas mutações muitas vezes estão associadas a piores resultados. Nos pacientes com síndromes mielodisplásicas (SMD), as mutações no TP53 estão associadas a doenças de alto risco, rápida transformação em leucemia mieloide aguda (LMA), resistência a terapias convencionais e piores desfechos. Apesar disso, ainda não estava claro a necessidade da mutação em uma ou ambas as cópias do TP53 para impactar os resultados do câncer.
No estudo, os pesquisadores analisaram 3.324 pacientes com síndrome mielodisplásica de 25 centros em 12 países quanto a mutações no TP53 e desequilíbrios alélicos e delinearam dois subconjuntos de pacientes com fenótipos e resultados distintos. Um terço dos pacientes com mutação no TP53 apresentou mutações monoalélicas, e tiveram resultados semelhantes aos pacientes sem mutação no TP53 - boa resposta ao tratamento, baixas taxas de progressão da doença e melhores taxas de sobrevida. Por outro lado, os dois terços dos pacientes que tiveram duas cópias mutadas do TP53 tiveram resultados piores, incluindo doenças resistentes ao tratamento, rápida progressão da doença e baixa sobrevida global.
A presença de duas ou mais alterações genéticas no gene TP53 foi preditiva do risco de morte e transformação leucêmica independentemente do Revised International Prognostic Scoring System (IPSS-R).
“Durante muito tempo se acreditou que apenas uma alteração genética do p53, em um dos alelos, já seria suficiente para ter um impacto prognóstico clinicamente relevante. Nesse estudo demonstramos a importância de ter duas ou mais alterações no p53, ou seja, perder os dois alelos. É isso que confere um pior prognóstico, uma das variáveis mais importantes na síndrome mielodisplásica. Aquele paciente que tem apenas uma mutação no p53 vai ter um prognóstico semelhante a quem tem o p53 selvagem”, explica Pires.
Pinheiro acrescenta que muitas vezes esses pacientes são tratados com quimioterapia tradicional ou agentes hipometilantes, sem obter uma resposta satisfatória. “Se conhecermos previamente ao tratamento a presença dessas mutações do TP53 bi-alélicas, poderemos evitar tratamentos desnecessários aos pacientes com mais terapia-alvo e com maior precocidade de indicação de tratamentos curativos, como o transplante de medula óssea”, avalia.Os autores salientam que dada a frequência de mutações TP53 no câncer, esses resultados justificam a análise do impacto de uma versus duas mutações em outros tipos de câncer. "Com a crescente adoção de perfis moleculares no momento do diagnóstico do câncer, precisamos de grandes estudos baseados em evidências para informar como traduzir esses achados moleculares em estratégias de tratamento ideais", ressaltam.
Segundo Pires, é preciso utilizar diferentes ferramentas, exames laboratoriais, análises informáticas, para conseguir reconhecer essas múltiplas alterações genéticas no p53. “Esse ainda é um desafio, não estamos totalmente preparados para reconhecer em sua totalidade todas as vezes que isso acontece”, diz. “A descoberta reforça a importância de solicitar exames para buscar as mutações do p53 e analisar em conjunto com a citogenética para descobrir esses pacientes que apresentam múltiplas alterações”, conclui.
Referência: Bernard, E., Nannya, Y., Hasserjian, R.P. et al. Implications of TP53 allelic state for genome stability, clinical presentation and outcomes in myelodysplastic syndromes. Nat Med (2020). https://doi.org/10.1038/s41591-020-1008-z