Na oncologia, debates acalorados em torno de conflitos de interesse e do elevado custo dos modernos agentes terapêuticos estão longe de acabar. Ao contrário, têm novos capítulos, um deles protagonizado por cerca de 12 grupos de advocacy que acusam a Novartis de “mentiras, ameaças e subornos" para dificultar o acesso ao mesilato de imatinibe (Glivec) para pacientes com GIST e Leucemia Mieloide Crônica em países em desenvolvimento.
Foto: David Mirzoeff/Global Justice Now
Os protestos contra a multinacional Novartis refletem um cenário que intensificou a crítica ao alto custo dos oncológicos e as barreiras do acesso para alcançar repercussões que discutem inclusive os padrões de propriedade intelectual.
“A Novartis coloca seus lucros antes da saúde pública”, criticam os 12 grupos de advocacy que no dia 1º de março publicaram carta aberta1 dirigida à farmacêutica. “Nosso protesto é para que o novo CEO, Vasant Narasimhan, não repita as táticas de seu antecessor”, argumentam as organizações de pacientes. "As revelações do que aconteceu na Colômbia não são um incidente isolado, mas um padrão de comportamento da Novartis de ameaças e bullying em busca de grandes lucros. Os países têm um direito legal - e um dever moral – de tornar os medicamentos acessíveis. Os governos não devem ser intimidados por grandes empresas farmacêuticas sem usar seu direito legal de garantir acesso a drogas que salvam vidas", defendem.
A polêmica teve início depois que uma carta da farmacêutica suíça ao governo colombiano vazou, a partir das páginas do Public Eye2. “A Novartis ameaçou a Colômbia com arbitragem internacional para evitar a emissão de uma licença compulsória”, aponta o movimento, uma organização criada em 1968 com a Declaração de Berna, dedicada a lutar contra as injustiças globais, com foco especial na Suíça.
No dia 5 de março, o Public Eye voltou a criticar a farmacêutica e publicou mais um documento assinado pela Novartis dirigido às autoridades colombianas. “Em 2016, o Glivec foi comercializado na Colômbia a um preço aproximado de CHF 15.000 por paciente/ano, quase o dobro da renda anual média na Colômbia. Desde o seu lançamento, a Glivec gerou mais de CHF 50 bilhões à receita global da Novartis. As perspectivas econômicas são, portanto, irrelevantes neste caso - o assunto é altamente político”, critica o Public Eye.
Em fevereiro, a PhRMA (Pharmaceutical Research and Manufacturers of America) já havia solicitado providências à autoridade norte-americana, a United States Trade Representative (USTR), no documento 'SPECIAL 301 REPORT’3. O relatório sugere retaliação aos países que romperem a proteção antes da licença compulsória dos medicamentos, sob o argumento de assegurar o direito à propriedade intelectual.
“Com esse posicionamento, a PhRMA tem ampliado a pressão sobre os governos da Malásia, Índia, Indonésia, Tailândia, Rússia, Turquia, Chile e Colômbia, países acusados de flexibilizar as regras do TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights)”, criticam os grupos de advocacy.
João Sanches, diretor de assuntos corporativos da Novartis, falou à reportagem do Onconews sobre os protestos contra a companhia. “Toda a indústria farmacêutica tem como uma das pedras básicas da inovação e desenvolvimento de novos produtos a questão da propriedade intelectual”, explica. “A Novartis lançou a primeira terapia CAR T-Cells para Leucemia Linfoblástica Aguda. A indústria farmacêutica e a Novartis só conseguem lançar produtos inovadores como esses com base em um sistema onde a propriedade intelectual dá a segurança para os investimentos necessários e para correr os riscos do processo de P&D, que também são grandes”, prossegue Sanches.
O diretor de assuntos corporativos da Novartis também discorreu sobre as regras do TRIPS. “Existem regras muito claras para que um país declare um produto de interesse público ou de licença compulsória, popularmente conhecida como quebra de patente. Não acreditamos que esse tenha sido o caso da Colômbia, onde existem genéricos já no mercado, que inclusive tratavam mais de dois terços dos pacientes”, explica. “As regras do TRIPS deixam muito claro em que circunstâncias se pode pedir licença compulsória, como situações de emergência, situações de interesse nacional. No nosso entendimento, essas condições não são aplicáveis à Colômbia. Claro que não podemos falar pela Novartis Colômbia, mas trabalhamos e apoiamos os pilares da companhia reforçados pelo nosso novo CEO, que é a preocupação com acesso”, destacou Sanches.
Referências:
1 - Carta aberta dos grupos de advocacy