No estudo SOLO1, de Fase III, o tratamento de manutenção com olaparibe mostrou benefício significativo de sobrevida livre de progressão na comparação com placebo em pacientes com câncer de ovário avançado recém-diagnosticado e mutação em BRCA após quimioterapia à base de platina. Agora, artigo de Friedlander et al, publicado 13 de abril na Lancet Oncology apresenta análise de qualidade de vida relacionada à saúde (Health Related Quality of Life - HRQoL). Quem comenta os resultados é a oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz (foto), Coordenadora da Oncologia Clínica do ICESP.
SOLO1 é um estudo randomizado, duplo-cego, realizado em 118 centros de 15 países. Foram incluídas pacientes adultas com câncer de ovário endometrioide ou seroso de alto grau recém-diagnosticado, câncer de ovário primário de peritônio ou de trompa de Falópio, todas com mutação em BRCA e bom status de desempenho (ECOG 0-1).
As pacientes foram randomizadas (2:1) para receber 300 mg de olaparibe ou placebo, duas vezes por dia, por até 2 anos. A randomização foi estratificada pela resposta à quimioterapia à base de platina (resposta clínica completa ou parcial). A HRQoL foi um desfecho secundário pré-especificado cujo score foi obtido a partir da variação do FACT-O Trial Outcome Index (TOI), considerando a mudança na pontuação do índice TOI nos primeiros 24 meses.
O TOI é um indicador que resume elementos de bem estar físico e funcional, além de sintomas chave em câncer de ovário derivados do já conhecido e validado questionário FACT-O. Seus escores variam de 0 a 100 (escores mais altos indicam melhor HRQoL), e a diferença clínica é definida quando a variação é de pelo menos 10 pontos. Os desfechos exploratórios foram sobrevida livre de progressão ajustada pela qualidade e o tempo sem sintomas de toxicidade (TWiST).
Resultados
Entre 3 de setembro de 2013 e 6 de março de 2015, os autores relatam a inclusão de 391 pacientes elegíveis, randomizadas para olaparibe (N= 260) ou placebo (N= 131; uma paciente do grupo placebo foi retirada do estudo antes de receber qualquer tratamento).
Com um seguimento mediano de 40,7 meses (34,9 a 42,9) para olaparibe e 41,2 meses (32,2 a 41,6) para placebo; não houve alteração clínica significativa na pontuação TOI em 24 meses entre os grupos olaparibe e placebo. A alteração média ao longo de 24 meses foi de 0,30 pontos [IC de 95%, 0,72 a 1,32] no grupo olaparibe vs 3,30 pontos [1,84 a 4,76] no grupo placebo, com uma diferença de três pontos entre os grupos (−3,00, IC de 95%, 4,78 a −1,22; p= 0,0010).
A sobrevida livre de progressão média ajustada pela qualidade foi de 29,75 meses para olaparibe vs 17,58 meses para o grupo placebo, com diferença de 12,17 meses [IC 95%, 9,07 a 15,11], p <0,0001) e a duração média de TWiST foi de 33,15 meses com olaparibe vs 20,24 meses com placebo; diferença de 12,92 meses [IC 95%, 9,30 a 16,54]; p <0,0001).
“O benefício substancial de sobrevida livre de progressão fornecido por olaparibe de manutenção no cenário da doença recém-diagnosticada foi alcançado sem efeito prejudicial na HRQoL das pacientes e foi apoiado por sobrevida livre de progressão ajustada de qualidade, com benefício de TWiST com olaparibe de manutenção versus placebo”, destacam os autores.
O estudo teve financiamento da AstraZeneca e da Merck Sharp & Dohme.
Qualidade de vida tem se tornado elemento fundamental para a incorporação de novas estratégias de tratamento
Por Maria Del Pilar Estevez Diz, oncologista Clínica, médica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e da Rede D’Or – Onco Star e Hospital São Luiz, Itaim
A avaliação de desfechos relacionados de vida, os PROS (Patient Reported Outcomes) tem se tornado um elemento fundamental para a incorporação de novas estratégias de tratamento nos pacientes com câncer. Os dados de estudos de Fase III realizados em pacientes após recidiva platino sensível também têm demonstrado manutenção da qualidade de vida durante o uso de inibidores da PARP. O uso de inibidores da PARP em etapas mais precoces do tratamento vem sendo avaliado, com aumento da sobrevida livre de progressão e seu impacto na qualidade de vida dessas pacientes deve ser estudado.
SOLO1 é o primeiro estudo a avaliar o efeito do uso de inibidor de PARP, o olaparibe, como tratamento de manutenção, na sobrevida livre de progressão em pacientes recém diagnosticados com câncer de ovário/peritônio/tuba uterina e com mutação deletéria em BRCA1/2.
O tratamento de manutenção, ou seja, o seu uso após cirurgia e quimioterapia baseada em platina, resultou em ganho significativo em termos de sobrevida livre de progressão no braço que recebeu olaparibe, comparado ao placebo. Com um seguimento mediano de 40,7 meses, são apresentados os dados de qualidade de vida.
Os eventos adversos relacionados aos inibidores da PARP são bem conhecidos e, no tratamento de manutenção, ou seja, em um contexto no qual a paciente poderia não estar recebendo nenhum tratamento sistêmico, é fundamental a avaliação do impacto desses eventos adversos na qualidade de vida, do ponto de vista da paciente, ou seja, avaliar se o ganho em sobrevida livre de progressão não poderia ser eventualmente suplantado por uma piora da qualidade de vida.
Para esta análise foram utilizados instrumentos amplamente validados, o FACT-O (Functional Assessment of Cancer Therapy – Ovarian Cancer) avalia aspectos referentes ao bem-estar físico, social e familiar, emocional, funcional e sintomas específicos do câncer de ovário. Do escore obtido deriva o FACT-O Trial Outcome Index (TOI) nos 24 meses. Sintomas chave para os inibidores de PARP, como náuseas, vômitos e astenia foram avaliados individualmente também.
O EQ-5D-5L é composto por cinco domínios: mobilidade, atividades usuais, autocuidado, dor ou desconforto e ansiedade ou depressão.
Outra análise muito importante foi o TWiST (time without significant simptoms or toxicity). Este dado dá uma dimensão do tempo de manutenção, ou deterioração, da qualidade de vida.
Para que os resultados sejam válidos, é necessário um percentual expressivo de respostas ao longo do estudo, o que foi alcançado. No grupo de pacientes que recebeu olaparibe pelo menos 82% responderam ao FACT-O e 81% ao EQ-5D-5L. No grupo placebo 92% e 90% responderam aos questionários, respectivamente. Os grupos eram bem balanceados, com escores TOI semelhantes antes do início da medicação/placebo. A variação do TOI no grupo que recebeu olaparibe foi de apenas 0,3 pontos (IC 95% 0,72 – 1,31) e de -3,0 pontos no grupo placebo (IC 95% -4,78 - - 1,22). Vale lembrar que apenas variações superiores a 10 pontos são clinicamente significantes, o que leva à conclusão de que não houve deterioração ou melhora da qualidade de vida em nenhum dos grupos.
Para as pacientes que referiram desconforto com sintomas específicos, em ambos os grupos, houve melhora desse desconforto ao longo do tempo. O EQ-5D-5L se manteve estável ao longo do tempo, exceto pela piora observada na última visita pré progressão e na primeira visita após a progressão. Além disso, o TWiST médio foi significantemente mais longo com olaparibe do que com o placebo, e reflete a deterioração que é causada pela recidiva da doença.
Esses dados reforçam que o uso do olaparibe desempenhou importante papel na manutenção da qualidade de vida associada à maior sobrevida livre de progressão, ou seja, um maior tempo com manutenção dos índices de qualidade de vida, o que certamente é importante para as mulheres portadoras de câncer de ovário, com mutação em BRCA1/2, e que acabaram de realizar o tratamento inicial da doença com quimioterapia baseada em platina.
Referência: Patient-centred outcomes and effect of disease progression on health status in patients with newly diagnosed advanced ovarian cancer and a BRCA mutation receiving maintenance olaparib or placebo (SOLO1): a randomised, phase 3 trial – Michael Friedlander, MD; Ana Oaknin, MD et al - Published:April 13, 2021 DOI:https://doi.org/10.1016/S1470-2045(21)00098-X