Onconews - Omissão da radioterapia após cirurgia conservadora no câncer de mama Luminal A

cesar cabello 2020 bxA omissão da radioterapia após a cirurgia conservadora em mulheres com pelo menos 55 anos de idade e câncer de mama luminal A T1N0, grau 1 ou 2, tratadas apenas com cirurgia e terapia endócrina é segura, com baixa incidência de recorrência local em 5 anos. Os resultados são do estudo LUMINA1, e foram publicados dia 17 de agosto na New England Journal of Medicine (NEJM). “O seguimento ainda é curto, principalmente por se tratar de tumores luminais, e por isso é preciso ficar atento. Mas estes dados já justificam a possibilidade de mudanças na nossa prática clínica”, avalia o mastologista César Cabello (foto).

“A radioterapia adjuvante é prescrita após a cirurgia conservadora da mama para reduzir o risco de recorrência local. No entanto, o tratamento implica em custos para os sistemas de saúde e está associado a efeitos colaterais de curto e longo prazo”, esclarecem os autores. “Fatores clinicopatológicos isolados são de uso limitado na identificação de mulheres com baixo risco de recorrência local para as quais a radioterapia pode ser omitida. Subtipos intrínsecos de câncer de mama definidos molecularmente podem fornecer informações prognósticas adicionais”, acrescentam. 

Os pesquisadores realizaram um estudo de coorte prospectivo envolvendo mulheres com pelo menos 55 anos de idade, submetidas a cirurgia conservadora da mama para câncer de mama T1N0 (tamanho do tumor <2 cm e linfonodo negativo), grau 1 ou 2, subtipo luminal A (definido como positividade do receptor de estrogênio de ≥1%, positividade do receptor de progesterona de >20%, HER2-negativo e índice Ki67 de ≤13,25%), e que receberam terapia endócrina adjuvante.

As pacientes que preencheram os critérios de elegibilidade clínica foram incluídas e a análise imuno-histoquímica Ki67 foi realizada centralmente. Pacientes com índice Ki67 de 13,25% ou menos foram incluídas e não receberam radioterapia. O desfecho primário foi a recidiva local na mama ipsilateral.

Os pesquisadores determinaram o limite superior do intervalo de confiança bilateral de 90% para a incidência cumulativa em 5 anos como inferior a 5%, o que representaria um risco aceitável de recorrência local em 5 anos. 

Resultados

Dos 740 pacientes registrados, 500 pacientes elegíveis foram inscritos. Cinco anos após a inscrição, foi relatada recorrência em 2,3% dos pacientes (90% CI, 1,3 a 3,8; 95% CI, 1,2 a 4,1), um resultado que atingiu o limite pré-especificado. O câncer de mama ocorreu na mama contralateral em 1,9% das pacientes (90% CI, 1,1 a 3,2), e recorrência de qualquer tipo foi observada em 2,7% (90% CI, 1,6 a 4,1). 

“Entre as mulheres com pelo menos 55 anos de idade com câncer de mama luminal A T1N0, grau 1 ou 2, tratadas apenas com cirurgia conservadora da mama e terapia endócrina, a incidência de recorrência local em 5 anos foi baixa com a omissão de radioterapia”, concluíram os autores.

O estudo foi financiado pela Canadian Cancer Society e pela Canadian Breast Cancer Foundation; número LUMINA ClinicalTrials.gov, NCT01791829.

Dados justificam a possibilidade de mudanças na prática clinica

Por César Cabello, Professor Associado Livre Docente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (UNICAMP); Coordenador da Área de Mastologia do CAISM – UNICAMP; e Professor Pleno de Pós-Graduação da FCM-UNICAMP

Após a publicação da metanálise dos pesquisadores do grupo EBCTG de 20112, sobre a importância do tratamento radioterápico complementar às cirurgias conservadoras por câncer de mama, poderia concluir-se que a omissão da radioterapia não poderia ser segura. O tratamento radioterápico reduziu o risco de recorrências (locorregional ou sistêmica) de 35% para 19,3% (redução absoluta de 15·7%, 95% CI 13·7–17·7, 2p), e reduziu o risco de morte em 15 anos de seguimento de 25·2% para 21·4% (redução de risco absoluto de 3·8%, 1·6–6·0, 2p=0·00005).

Nas pacientes pN0 (n=7287), a radioterapia reduziu estes riscos de 31·0% para 15·6% (redução absoluta de 15·4%, 13·2–17·6, 2p) e de 20·5% para 17·2% (redução de mortalidade de 3·3%, 0·8–5·8, 2p=0·005), respectivamente. Dados contundentes.

O tempo passou e atualmente as taxas de recorrências locais foram diminuindo em virtude do diagnóstico mais precoce, implementações nas técnicas cirúrgicas e das melhorias no tratamento sistêmico. Passou a se entender mais a importância de biomarcadores prognósticos que poderiam descalonar também a radioterapia.

Alguns estudos já foram apresentados previamente. Porém, esta coorte de Timothy J. Whelan, recentemente publicada, que elaborou estratégias bem conduzidas para separar um grupo de pacientes com idade de 55 anos ou mais e com tumores do tipo luminal A “like” de realmente de baixo risco para recorrências locais, representa uma importante fonte de evidências para o descalonamento da radioterapia em pacientes na pós menopausa, com Tumores Luminais A “like”, pT1pN0pM0.

As taxas de recorrências locais baixas em cinco anos de seguimento médio (2.3%) e concordantes com as taxas de tumores contralaterais (1.9%) são contundentes e fortes argumentos na linha de se poupar radioterapia nestes casos.

Os autores comentam que estes resultados não precisariam de ensaios clínicos (Fase III) para serem confirmados, o que não concordo. Ao mesmo tempo, o seguimento ainda é curto, principalmente por se tratar de tumores luminais. Devemos ficar atentos. Mas estes dados já justificam a possibilidade de mudanças na nossa prática clínica.

Referências:

1 - Omitting Radiotherapy after Breast-Conserving Surgery in Luminal A Breast Cancer - Timothy J. Whelan, B.M., B.Ch., Sally Smith, M.D., Sameer Parpia, Ph.D., Anthony W. Fyles, M.D., Anita Bane, M.B., Fei-Fei Liu, M.D., Eileen Rakovitch, M.D., Lynn Chang, M.D., Christiaan Stevens, M.D., Julie Bowen, M.D., Sawyna Provencher, M.D., Valerie Théberge, M.D., et al., for the LUMINA Study Investigators*. August 17, 2023. N Engl J Med 2023; 389:612-619. DOI: 10.1056/NEJMoa2302344

2 - Effect of radiotherapy after breast-conserving surgery on 10-year recurrence and 15-year breast cancer death: meta-analysis of individual patient data for 10,801 women in 17 randomised trials, Early Breast Cancer Trialists' Collaborative Group (EBCTCG); S Darby, P McGale, C Correa, C Taylor, R Arriagada, M Clarke, D Cutter, C Davies, M Ewertz, J Godwin, R Gray, L Pierce, T Whelan, Y Wang, R Peto Lancet. 2011 Nov 12;378(9804):1707-16. doi: 10.1016