Muitas mulheres em todo o mundo - principalmente as mais pobres - continuam a morrer de câncer cervical, um tumor que pode ser prevenido e tratado. O alerta foi reforçado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no último dia 6 de julho, com o lançamento de um novo guideline para triagem e tratamento do câncer cervical. Quem comenta as diretrizes atualizadas é Jesus Paula Carvalho (foto), coordenador da equipe de ginecologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP).
A diretriz foi elaborada com apoio do programa global de reprodução humana (Human Reproduction Programm – HRP) e deve ajudar os países a progredir mais rapidamente e de forma mais equitativa no rastreamento e tratamento do câncer cervical. A atualização incorpora mudanças importantes e inclui um total de 23 recomendações e 7 declarações de boas práticas. Entre as 23 recomendações, 6 são idênticas tanto para a população geral de mulheres quanto para aquelas vivendo com HIV; 12 são específicas para cada população. Entre as 7 declarações de boas práticas, 3 são válidas tanto para a população geral de mulheres quanto para mulheres vivendo com HIV e 2 são específicas para cada perfil populacional.
Agora, a recomendação privilegia o teste baseado no DNA de HPV e não mais a inspeção visual com ácido acético (VIA) ou citologia, comumente conhecida como 'esfregaço de Papanicolaou', atualmente os métodos mais usados para detectar lesões precursoras. “Ao contrário dos testes que dependem de inspeção visual, o teste de HPV-DNA é um diagnóstico objetivo, não deixando espaço para interpretação dos resultados”, esclarece a OMS, destacando que o teste é capaz de detectar cepas de HPV de alto risco que causam quase todos os cânceres cervicais.
Para os profissionais de saúde, embora o processo de obtenção de uma amostra cervical seja semelhante à citologia, o teste do DNA do HPV é mais simples, previne mais lesões precursoras e salva mais vidas do que a VIA ou a citologia, com vantagem adicional justificável do ponto de vista de custo-efetividade.
Para atingir a meta global até 2030 de examinar regularmente 70% da população-alvo para doenças cervicais com um teste de alto desempenho, a Organização Mundial de Saúde propõe ampliar maciçamente o acesso aos testes, além de considerar a autoavaliação. Estudos mostram que em muitos cenários as mulheres se sentem mais confortáveis colhendo suas próprias amostras, em vez de consultar um provedor para fazer o exame.
Recomendações
As recomendações trazem respostas concretas a um olhar que responde à ligação entre HPV e HIV, com orientações específicas para essas mulheres imunocomprometidas que vivem com HIV, particularmente vulneráveis a doenças cervicais. “Essa população é mais propensa a ter infecções persistentes por HPV e progressão mais rápida das lesões precursoras para câncer. Isso resulta em um risco seis vezes maior de câncer cervical entre as mulheres que vivem com HIV”, destaca a publicação da OMS.
Em reconhecimento a essas especificidades, o guideline para mulheres que vivem com HIV inclui o uso de triagem através de DNA de HPV seguido por um teste de triagem se os resultados forem positivos para HPV, para avaliar os resultados quanto ao risco de câncer cervical e necessidade de tratamento. As recomendações globais preconizam o rastreamento a partir dos 25 anos para mulheres vivendo com o HIV, 5 anos antes do que é preconizado para a população em geral (30 anos). Para mulheres HIV+ fica também a recomendação de testes em intervalos menores de tempo após um resultado positivo.
Segundo a OMS, mais de meio milhão de mulheres desenvolveram câncer cervical e cerca de 342.000 mortes foram registradas em 2020 em consequência da doença, a maioria nos países mais pobres. “Programas de rastreamento rápidos e precisos são essenciais para que todas as mulheres com doenças cervicais recebam o tratamento de que precisam e que mortes evitáveis sejam evitadas”, enfatizou o comunicado da OMS.
A estratégia global da OMS para acelerar a eliminação do câncer cervical como um problema de saúde pública, foi endossada pela Assembleia Mundial da Saúde e reforça a importância da vacinação de meninas contra o papilomavírus humano (HPV), estratégia que tem o potencial de prevenir globalmente mais de 62 milhões de mortes por câncer cervical nos próximos 100 anos.
“A Estratégia Global para Acelerar a Eliminação do Câncer do Colo do Útero como Problema de Saúde Pública, lançado pela OMS, baseia-se em três pilares: a) 90% de vacinação até os 15 anos, b) 70% de rastreamento com teste de alta precisão, e c) 90% de tratamento das lesões precursoras e invasivas”, esclarece Carvalho, observando que cada país deve traçar estratégias próprias para se atingir estas metas, otimizando seus recursos. “A incorporação dos testes de HPV no lugar da citologia têm-se mostrado custo-efetiva, e com resultados muito melhores. No Brasil, as diferentes sociedades médicas têm defendido esta incorporação”, diz.
Carvalho acrescenta que a auto-coleta é outra estratégia promissora, especialmente em alguns grupos de mulheres, como as que estão privadas de liberdade e em áreas controladas pelo crime ou de difícil acesso. “Mulheres em situações especiais, como as que estão vivendo com HIV, merecem estratégias diferenciadas, e estão contempladas nestas novas recomendações”, conclui.
Referência: WHO guideline for screening and treatment of cervical pre-cancer lesions for cervical cancer prevention