Moshe Shike, do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, é o principal investigador de um estudo que avaliou o papel do consumo da soja em mulheres diagnosticadas com câncer de mama invasivo e demonstrou que o consumo de soja também pode trazer prejuízos, exercendo um efeito estimulante sobre o câncer de mama em um subgrupo de mulheres.
A epidemiologia nos ensina que existe uma relação inversa entre o consumo de soja em países asiáticos e uma diminuição no risco de câncer de mama. Naturalmente, esta observação provocou enorme interesse em compreender como uma abordagem natural poderia ter lugar na quimioprevenção. É nessa perspectiva que se inscreve o trabalho de Shike e colegas, um estudo randomizado placebo-controlado, sobre os efeitos da suplementação de soja sobre a expressão gênica e de marcadores do câncer de mama entre as mulheres diagnosticadas com câncer de mama invasivo.
O estudo foi realizado entre 2003 e 2007 e selecionou um total de 140 pacientes, numa amostra onde 132 foram elegíveis para participar da investigação, numa população mista de mulheres na pré e pós-menopausa, (39,4% e 60,6%, respectivamente), com uma idade média de 56,2 ± 11,9 anos.
As pacientes foram randomizadas para receber suplementação de soja (proteína de soja) ou placebo (proteína do leite), desde a data da consulta inicial até o dia que antecedeu a cirurgia (intervalo = 7-30 dias). Em seguida, os pesquisadores compararam os tecidos tumorais da biópsia de diagnóstico (pré-tratamento) e após a ressecção (pós-tratamento). Eles observaram alterações em vários genes que promovem a progressão do ciclo celular e a proliferação celular entre as mulheres no grupo que consumiu a soja.
Os autores concluem que os dados levantam a preocupação de que a soja pode exercer um efeito estimulante sobre o câncer de mama em um subgrupo de mulheres.
Para o oncologista V. Craig Jordan, da Georgetown University Lombardi Comprehensive Cancer Center, em Washington, o trabalho de Shike e colegas ilustra os perigos do consumo de fitoestrógenos no período da menopausa e vem em um momento oportuno, quando as dimensões da ação do estrogênio no câncer de mama estão sendo redefinidas. “Nosso entendimento está sendo transformado a partir de observações clínicas e laboratoriais. Que evidências existem na literatura para deslocar mitos sobre os fitoestrogênios e criar uma base consistente para o futuro clínico?”, provocou o especialista em editorial do Oxford Journals (Avoiding the Bad and Enhancing the Good of Soy Supplements in Breast Cancer).
Evidências
Tem sido demonstrado que as isoflavonas da soja, especificamente a genisteína e a daidzeína, apresentam efeito anti-cancerígeno. Estudos epidemiológicos demonstram que nas populações que consomem dietas ricas em soja, a incidência de câncer de mama é menor.
Há três décadas sabe-se que os fitoestrogênios têm o potencial de induzir a regulação de estrogênio através de genes receptores (ER). Assim, os autores mediram as quantidades de genisteína e diazeína presentes no soro e verificaram que a assinatura desses genes aumentou no grupo de mulheres que consumiu soja pelo período de uma a quatro semanas. Os pesquisadores avaliaram a concentração dessas isoflavonas por análises de microarray pré e pós-tratamento, a partir do seu impacto na atividade do ciclo celular.
A expressão gênica associada à ingestão da soja, definida pela presença de altas concentrações de genisteína no plasma, também é caracterizada pela superexpressão de genes FGFR2, responsáveis por impulsionar o ciclo e a proliferação celular. Esses resultados justificam a preocupação com a soja, que pode ter efeitos deletérios em um subgrupo de mulheres e afetar negativamente a expressão do gene no câncer de mama.
Ao analisar os dados do estudo de Mosh e colegas, V. Craig Jordan discute como o tempo e a dose de suplementação de soja assumem papel crítico e revisa as evidências na literatura sobre a soja e sua ação conhecida no câncer de mama. “Em condições de privação de estrogênio, o estudo de Mosh reforça dados de estudos anteriores, como o de Haddow A. e o Million Women’s Study, que mostram que o consumo de fitoestrogênios poderia ser benéfico somente uma década após a menopausa", apontou.
Quando o estrogênio é retirado, o receptor (ER) é forçado a se adaptar por pressão da seleção ambiental. Assim, vale considerar que a maioria das pacientes do estudo foram mulheres prematuramente expostas à menopausa. Diante da presença do estrogênio exógeno, o ciclo celular inibiu a apoptose e manteve níveis elevados de ER, o que define os riscos potenciais da soja nesse subgrupo de pacientes e a hipersensibilidade adaptativa do câncer de mama. Análises de imunohistoquímica mediram os níveis de proliferação (Ki67) e apoptose (Cas3).
Prós e contras
Em populações asiáticas, a literatura mostra que os benefícios da soja têm sido associados à quantidade consumida. Os dados relatados mostram uma tendência estatisticamente significativa de diminuição de risco com o aumento da ingestão, equivalente a uma redução do risco de 16% a cada 10 mg de isoflavona consumidas por dia. No entanto, os autores observam que em vários estudos prospectivos em populações ocidentais, o consumo de soja não foi relacionado à redução do risco de câncer de mama.
Shike e colegas destacam que as propriedades tumorigênicas das isoflavonas de soja são bem documentadas em linhagens celulares de câncer de mama em modelos animais, em grande parte associados às suas propriedades estrogênicas. A genisteína estimula o crescimento das células de câncer de mama sensíveis ao estrogênio através de transativação do receptor de estrogênio (ER), e pode bloquear os efeitos inibidores de tamoxifeno. Estudos com isoflavonas também relatam o papel das células de câncer de mama induzidas pela ação do ER na inibição das tirosina-quinases e das topoisomerases de ADN (10-15). Além disso, a genisteína exerce efeitos anti-inflamatórios e anti-angiogênicos através da regulação do VEGF e do VEGFR-2.
“Em estudos que se referem à dieta adequada, que inclua frutas, vegetais e grãos integrais, é de concordância entre inúmeras literaturas que a ingestão de soja influencia na prevenção do aparecimento do câncer de mama devido presença de compostos fitoquímicos que atuam como quimiopreventivos no organismo”, explica Cristina Hanashiro, nutricionista do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo. “Fazendo parte de uma alimentação saudável e variada, não vai ocorrer um consumo exagerado que leve a um risco de trazer prejuízos ao paciente”, ensina. “Acredito que também o médico na sua avaliação criteriosa vai detectar que diante de um prognóstico negativo, tumor invasivo e chances de metástase, poderá sugerir à paciente que diminua o consumo da soja, ou não indicar suplementações com isoflavonas. A avaliação deve ser individual”, recomenda.
Cristiane esclarece que a soja é um alimento muito nutritivo, pois possui alto teor de proteínas, além de vitaminas, minerais, carboidratos e fibras, sendo, portanto uma opção alimentar viável e complementar. O extrato da soja se constitui numa opção de alimentos para pessoas que apresentam intolerância a lactose, além de ser livre de colesterol. Também pode ser consumida como alternativa de substituição a leite e derivados quando a paciente apresenta diarréia, pós quimioterapia, por exemplo (tofu, iogurte de soja, suco de soja).
Mosh e colegas também detalharam outro aspecto fundamental na análise, indicando que 82% dos tumores de mama apresentavam expressão positiva para receptores de estrogênio (ER positivo) e apenas 18% tinham expressão negativa para esse receptor hormonal.
Referências:
http://jnci.oxfordjournals.org/content/106/9/dju233.extract
http://jnci.oxfordjournals.org/content/106/9/dju189.full
The Effects of Soy Supplementation on Gene Expression in Breast Cancer: A Randomized Placebo-Controlled Study
Moshe Shike, Ashley S. Doane, Lianne Russo, Rafael Cabal, Jorge S. Reis-Filho, William Gerald†, Hiram Cody, Raya Khanin, Jacqueline Bromberg, Larry Norton