Resultados de estudo brasileiro alertam para a necessidade de políticas e estratégias de saúde pública focadas em mitigar os efeitos de longo prazo da COVID-19 na mortalidade relacionada ao câncer. O estudo dos pesquisadores Mateus Bringel Duarte (foto), Juliana Argenton e José Cavalheira é um dos destaques da edição de setembro do JCO Global Oncology.
Nesta análise, dados de reembolso do sistema público de saúde de São Paulo foram coletados de abril de 2020 a novembro de 2021 e comparados com os do período pré-COVID-19. “Usamos um modelo de série temporal interrompida para estimar o efeito da pandemia de COVID-19 na taxa de procedimentos-chave da cadeia de saúde do câncer de mama e colo do útero”, descrevem os autores.
Os resultados apontam que 1.149.727 exames de Papanicolau, 2.693 conizações e 713.616 mamografias foram perdidos ou atrasados durante a pandemia de COVID-19, em comparação com os anos imediatamente anteriores. A diminuição foi mais aguda durante as restrições impostas pela pandemia, com tendência de recuperação a longo prazo.
“Em relação ao tratamento sistêmico, observamos redução de 25% na taxa de início do tratamento sistêmico adjuvante para câncer de mama inicial (estágio I/II). No entanto, não encontramos um efeito claro nas outras configurações de tratamento sistêmico para câncer de mama”, comparam os autores. A análise também estima um excesso de 156 pacientes iniciando cuidados paliativos para câncer do colo do útero após as restrições de permanência em casa do COVID-19, demonstrando que também a assistência a pacientes com câncer do colo do útero foi afetada pela pandemia.
Os achados do estudo brasileiro corroboram dados já reportados, indicando que os programas de rastreamento foram um dos mais afetados. Globalmente programas nacionais de rastreamento de câncer tiveram declínio em países como Canadá, Holanda, Alemanha, Itália, Reino Unido e Austrália, e alguns ainda não conseguiram retornar aos níveis anteriores de procedimentos e atendimentos.
Em síntese, políticas de saúde pública são urgentemente necessárias para diminuir a incidência de cânceres de colo de útero e mama avançados causados pelo atraso no diagnóstico e início do tratamento. “Nossos resultados apoiam a necessidade de políticas e estratégias de saúde pública focadas em mitigar os efeitos de longo prazo da COVID-19 na mortalidade relacionada ao câncer”, destacam os autores.
A pesquisa teve participação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), do Hospital do Câncer de Uberlândia e da Universidade Federal de Uberlândia, além da Fundação para o Desenvolvimento da Universidade Estadual de Campinas (FUNCAMP).
Referência: Duarte MBO, Argenton JLP, Carvalheira JBC. Impact of COVID-19 in Cervical and Breast Cancer Screening and Systemic Treatment in São Paulo, Brazil: An Interrupted Time Series Analysis. JCO Glob Oncol. 2022 Jun;8:e2100371. doi: 10.1200/GO.21.00371. PMID: 35696624; PMCID: PMC9225667.