A oncologista Bruna Bianca Lopes David (foto) é primeira autora de estudo publicado no JCO Global Oncology que buscou traçar um panorama sobre o sarcoma no Brasil, bem como a trajetória clínica dos pacientes. “Nossos resultados contribuem para uma melhor compreensão do sarcoma no país, da trajetória clínica dos pacientes adultos, contribuindo para melhor direcionar esforços e alocar recursos médicos”, destaca a publicação.
Os sarcomas são um grupo heterogêneo de cânceres classificados como tumores raros, com incidência anual < 6 por 100.000 pessoas, representando < 2% de todos os tumores sólidos adultos, e frequentemente mal caracterizados. No Brasil, pouco se sabe sobre a carga do sarcoma adulto e as vias clínicas dos pacientes. “Devido à sua raridade, os sarcomas são frequentemente mal caracterizados quanto à sua epidemiologia, biologia, história natural, fatores prognósticos e preditivos e sensibilidade ao tratamento padrão, o que representa desafios para o diagnóstico e a tomada de decisão clínica”, observam os autores.
Nesse estudo, os pesquisadores analisaram dados do Sistema Brasileiro de Registros de Câncer de Base Hospitalar, que abrange todo o país. Os critérios histológicos incluíram sarcomas de acordo com a International Classification of Diseases for Oncology, 3ª edição. Todos os casos foram baseados em histologia.
Nenhuma revisão de patologia central foi realizada. Pacientes menores de 18 anos foram excluídos. As variáveis foram analisadas de acordo com o tipo de centro, volume de pacientes hospitalares (> 70 pacientes/ano por 3 anos consecutivos) e região geográfica. Os resultados foram baseados em dados válidos e os valores ausentes foram relatados.
Resultados
Entre 2000 e 2017, foram identificados um total de 312 unidades e 49.878 casos. A proporção de dados perdidos foi estável. Os sarcomas de partes moles foram predominantes, seguidos por sarcomas ósseos e tumores estromais gastrointestinais. A região Sudeste concentrava o maior número de pacientes (51%), de centros de alta complexidade (CACONs; 52%) e de pacientes atendidos em CACONs (56,9%).
Em todas as regiões, a maioria dos pacientes apresentava doença localizada ao diagnóstico. A proporção de pacientes que iniciaram o tratamento em até 60 dias do diagnóstico no CACON foi de 59,3% e de 62,3% nos demais. Dez hospitais atingiram o patamar estabelecido para centro de alto volume, dos quais sete eram CACON.
“Um dos pontos mais importantes do artigo é ressaltar que apesar de tentarmos fazer um rastreio de dados em hospitais com teoricamente um alto volume não oficial (coorte de 70 pacientes), não houve muita diferença entre hospitais com alto volume, e teoricamente mais expertise, para hospitais oncológicos gerais. O que é muito grave, mostrando que o Brasil tem essa carência no tratamento de doença rara, nesse caso, os sarcomas”, observa Bruna. “Não existe um fluxo na rede e um local para tratar esses pacientes. Por ser um país muito grande, uma solução poderia ser o estabelecimento de redes de cooperação, onde o pacientes seria encaminhado para um serviço mais importante para o percurso dele, caso onde ele more não tenha um serviço de fácil acesso ou um tratamento especifico. Temos dados de literatura que mostram que pacientes discutidos em rede, não necessariamente em um centro de referência, mas em rede de profissionais especialistas, apresentam melhores resultados. Mas, obviamente, ter esses centros é importante para ter o profissional especialista para que essa rede se crie, é um processo encadeado”, afirma.
Outra questão importante acrescentada pela oncologista é o fato de ter sido observada uma grande diferença de percurso dos pacientes entre as regiões. “Em regiões que teoricamente tem menos hospitais especializados, menos investimento, o percurso é mais ou menos tão caótico quanto, por exemplo, na região sudeste, que é onde se concentra a maior parte da oferta tanto de estrutura quanto de profissionais”, diz.
“O grande foco do artigo é trazer luz justamente para essa falta de estruturação, além da falta de dados. Utilizamos um registro hospitalar, não existe registro para essa histologia, o que torna muito difícil para avaliar com mais acurácia todas essas informações. Investimento em dados também é muito importante para conseguir mapear melhor e entender onde é preciso melhorar e como alocar os recursos, que já são escassos, de maneira mais eficiente e racional”, conclui Bruna.
Referência: David BBL, Abdon Mello C, Santos Thuler LC, de Melo AC. Overview of Adult Sarcoma Burden and Clinical Pathways in Brazil. JCO Glob Oncol. 2022 Mar;8:e2100387. doi: 10.1200/GO.21.00387. PMID: 35230876; PMCID: PMC8887943.