Os médicos que receberam pagamentos de companhias farmacêuticas por refeições, palestras e viagens foram mais propensos a prescrever os medicamentos dessas empresas, segundo um estudo conduzido pela Universidade da Carolina do Norte. Os resultados publicados no Journal of the American Medical Association Internal Medicine analisaram prescrições do Medicare para pacientes com dois tipos de câncer onde existem várias opções de tratamento: câncer de células renais metastático e leucemia mieloide crônica.
Foram utilizados dados disponíveis publicamente de 2013 e 2014, relatados pelo Open Payments, uma cláusula da Lei federal Patient Protection and Affordable Care Act que exige que os fabricantes de medicamentos e dispositivos médicos dos Estados Unidos divulguem transferências de valor financeiro superiores a US$ 10 para médicos e hospitais de ensino.
"A principal conclusão é que os oncologistas que receberam dinheiro de determinada indústria farmacêutica têm maior probabilidade de escolher o medicamento da mesma empresa no ano seguinte", disse Aaron Mitchell, médico da Divisão de Hematologia e Oncologia da Faculdade de Medicina da UNC e principal autor do estudo.
Métodos
Os pesquisadores analisaram os dados de Pagamentos Abertos do Centers for Medicare & Medicaid Services e o Arquivo de Uso Público do Medicare Parte D entre 2013 e 2014. O estudo utilizou as categorizações do Open Payments para pagamentos gerais (por exemplo, presentes, honorários de consultoria/palestras, refeições e viagens) e pagamentos de pesquisa (por exemplo, pesquisa pré-clínica, ensaios de fase 1 a 4 da Food and Drug Administration ou estudos iniciados pelo investigador).
Foram considerados para o estudo medicamentos patenteados que estavam dentro da mesma classe terapêutica; receberam aprovação da Food and Drug Administration e recomendação do National Comprehensive Cancer Network para o tratamento de um determinado tipo de câncer, de mesmo estádio e grau de tratamento anterior. Além disso, os medicamentos precisavam ter sido prescritos por pelo menos 10 médicos em 2014.
No grupo de grupo de câncer de células renais metastático foram incluídos os medicamentos sorafenibe, sunitinibe e pazopanibe; o grupo de leucemia mieloide crônica (LMC) considerou os medicamentos dasatinibe, mesilato de imatinibe e nilotinibe. Os médicos avaliados no estudo deveriam ter pelo menos 20 prescrições preenchidas em 2014 entre os três medicamentos indicados para um dos dois tipos de câncer. Para cada médico, foram incluídos todos os pagamentos gerais de cada fabricante de medicamentos.
O estudo também avaliou pagamentos de pesquisa a médicos identificados como investigadores principais. A principal avaliação foram pagamentos recebidos durante 2013 (sim ou não), e o resultado primário foram as prescrições preenchidas durante 2014; também foram analisados os pagamentos como uma variável contínua.
Resultados
Entre os médicos que prescreveram medicamentos para o câncer de células renais metastático (n=354), 9% (32) receberam pagamentos de pesquisa em 2013 e 2014, em comparação com 25,1% (89) que receberam pagamentos gerais. No grupo de leucemia mieloide crônica (n=2225), 3,8% (38) dos prescritores receberam pagamentos de pesquisa e 39,5 % (879) receberam pagamentos gerais.
O recebimento de pagamentos de pesquisa foi associado ao aumento dos formulários de prescrição no câncer renal, o que não ocorreu com a prescrição de medicamentos para o tratamento da LMC.
Ao tratar os pagamentos como uma variável contínua, quantidades crescentes de pagamentos gerais foram associadas ao aumento da prescrição. Considerando as drogas individualmente, os pesquisadores encontraram um aumento na prescrição ao receber ou não receber pagamentos gerais para sunitinibe (50,5% vs 34,4%, p = 0,01), dasatinibe (13,8% vs 11,4%, p = 0,02) e nilotinibe (15,4% vs 12,5%, P = 0,01), mas encontraram diminuição da prescrição de imatinibe (72,4% vs 75,5%, P = 0,02).
“Isso pode refletir uma estratégia do fabricante do imatinibe (que também produz o nilotinibe) para promover a mudança antes da expiração da patente do imatinibe, em 2015”, disse Mitchell.
As diferenças para sorafenibe e pazopanibe não foram estatisticamente significantes. Os pagamentos de pesquisa não foram associados a diferenças estatisticamente significativas na prescrição de qualquer droga individual.
Os autores afirmaram que as limitações do estudo incluem o desenho observacional, impedindo a avaliação causal, possíveis imprecisões com os dados do Open Payments, falta de generalização para outros tipos de câncer, ausência de informações sobre as indicações dos medicamentos e pequeno tamanho da amostra para comparações na análise dos pagamentos de pesquisa, notadamente para os médicos que receberam pagamentos de pesquisa de leucemia mieloide crônica.
O estudo foi apoiado pelo National Research Service Award Post-Doctoral Traineeship da Agency for Healthcare Research and Quality with the Cecil G. Sheps Center for Health Services Research, da Universidade da Carolina do Norte, e pela American Cancer Society.
Referência: Pharmaceutical Industry Payments and Oncologists’ Selection of Targeted Cancer Therapies in Medicare Beneficiaries - Aaron P. Mitchell, MD1,2,3; Aaron N. Winn, PhD, MPP4,5; Stacie B. Dusetzina, PhD6,7 - JAMA Intern Med. Published online April 9, 2018. doi:10.1001/jamainternmed.2018.0776