O anti PD-1 pembrolizumabe (Keytruda®) é líder global entre os oncológicos e está prestes a ser a droga mais vendida do mundo, com vendas anuais estimadas em US$ 22,5 bilhões até 2025. Mas a história de sucesso de Keytruda® deve perder fôlego em 2028, com o fim da proteção patentária nos EUA, União Europeia e também no Brasil. Uma versão biossimilar de pembrolizumabe já está em desenvolvimento e aguarda o fim da exclusividade do originador para oferecer no Brasil um imunobiológico acessível para atender o Sistema Único de Saúde (SUS). Quem protagoniza essa história é o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), em um marco para a pesquisa e desenvolvimento no Brasil.
A pedra angular de pembrolizumabe made in Brazil foi lançada em abril de 2021, com o acordo de cooperação científica e tecnológica entre Bio-Manguinhos e a canadense PlantForm Corporation, uma empresa de biotecnologia com experiência consolidada em plataformas vegetais. Desenvolvido a partir de uma planta do tabaco, a Nicotiana benthamian, o imuno-oncológico brasileiro já acumula conquistas e tem motivos de sobra para comemorar, antes mesmo de completar seu desenvolvimento.
A primeira inovação vem exatamente dessa plataforma vegetal, que reduz em até 90% o custo de fabricação de um medicamento biológico. A escolha de produzir inibidores de checkpoint imune (ICI) em plataforma vegetal, um modelo emergente na produção de proteínas, permite explorar a rapidez na produção de biofármacos recombinantes, com características físico-químicas e funcionais comparáveis aos inibidores de checkpoint imune produzidos em células de mamíferos e ainda garantir excelente custo-benefício, sem falar na facilidade de escala.
“Temos trabalhado muito fortemente em Bio-Manguinhos para estimular o desenvolvimento de biossimilares. É o caminho para o registro de um produto biológico de alto custo pela via da comparabilidade, permitindo custos bem mais baixos e o aumento do acesso”, explica Hugo Defendi, gerente do projeto de P&D de Bio-Manguinhos.
À frente da área de inovação em imunobiológicos, ele explica que a produção típica de medicamentos envolve o uso de biorreatores, como grandes câmaras para cultivar organismos como bactérias e leveduras, usadas para produzir anticorpos ou vacinas. A PlantForm usa a planta de tabaco como um biorreator e utiliza os recursos da engenharia genética para incluir os genes que fazem o anticorpo. Agora, Bio-Manguinhos se vale dessa mesma tecnologia para preparar a chegada de pembrolizmabe made in Brazil, um anticorpo biossimilar de baixo custo que promete promover uma verdadeira revolução na assistência oncológica do Sistema Único de Saúde.
“Tradicionalmente, custa US$ 450 milhões para produzir 5.000 litros de um anticorpo baseado em células animais. Podemos construir uma instalação de 12 acres para produzir quantidade equivalente de anticorpos por US$ 80 milhões”, comparou Chris Hall, professor da escola de Ciências do Meio Ambiente da Universidade de Guelph, no Canadá. Hall e sua equipe foram responsáveis pelas pesquisas que embasaram o licenciamento das plataformas vegetais da PlantForm e explica por que as plantas do tabaco estão entre as preferidas da moderna biotecnologia. “Por várias razões. Sua biologia molecular e genética é bem compreendida e têm o mesmo sistema celular dos humanos. São econômicas, permitindo produzir grandes quantidades de anticorpos em uma pequena colheita, e não fazem parte da cadeia alimentar, portanto não há perigo de espalhar bactérias no fornecimento de alimentos”, ensina o pesquisador.
Fica fácil entender por que a plataforma Nicotiana benthamiana ganhou popularidade na biotecnologia, principalmente para o desenvolvimento de anticorpos monoclonais e outras proteínas recombinantes. Fácil também é entender o esforço de Bio-Manguinhos no desenvolvimento de biofármacos para garantir a própria sustentabilidade do SUS. Basta lembrar que os medicamentos biológicos consumiram 41% do orçamento do Ministério da Saúde em 2016, período em que representaram apenas 2% das aquisições.
Inovação e acesso
A inovação dos inibidores de checkpoint imune (ICI) e seu sucesso clínico contribuíram para avanços importantes no tratamento do câncer. Não por acaso, os ICI alcançaram globalmente 34,6 mil milhões de dólares em valor de mercado (Lu et al., 2020). Na liderança como um dos ICIs mais eficazes na oncologia, pembrolizumabe (Keytruda®) foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA para mais de 15 indicações no tratamento do câncer e em 2017 se consagrou como o primeiro agente terapêutico a obter da agência norte-americana a indicação agnóstica. No entanto, o gargalo do acesso persiste como um desafio global que só a produção de biossimilares é capaz de superar.
A porta de entrada dessa nova realidade no Sistema Único de Saúde começa no nordeste brasileiro, mais precisamente no município de Eusébio, na Região Metropolitana de Fortaleza, a 24 quilômetros da capital cearense. É de lá que vem a produção das folhas de tabaco, sob responsabilidade do Complexo Tecnológico em Insumos Estratégicos Eusébio (CTIE) da Fiocruz Ceará, sede do Centro Tecnológico de Plataformas Vegetais (CTPV).
A Fiocruz Ceará tem uma equipe preparada para o trabalho com as sementes geneticamente modificadas que chegam ao Brasil pela PlantForm e está recebendo a tecnologia do plantio, feito em sistemas verticais, cumprindo controles rigorosos de iluminação, de volume de água e assim por diante.
“Como keytruda® já é um produto conhecido, temos a sequência de DNA dessa molécula. Assim que começa o desenvolvimento do biossimilar, esse DNA é inserido em uma agrobactéria. É nesta agrobactéria que utilizamos um processo natural de agroinfiltração como estratégia para a inserção desse DNA exógeno que temos interesse de expressar na forma de proteína”, explica o gerente do projeto de P&D de Bio-Manguinhos. Cada planta funciona como um biorreator. “Depois dessa agroinfiltração, o próprio ciclo de vida da planta passa a produzir esse mAb no tecido vegetal. Posteriormente, é feita a extração dessa biomassa vegetal como um suco verde que vai para o processo normal de purificação da indústria farmacêutica, através de cromatografias e outras estratégias de purificação”, prossegue.
Todo o processo de desenvolvimento é dividido essencialmente em duas etapas, upstream e downstream. “O upstream é quando temos que crescer a biomassa e produzir a proteína, o anticorpo. Nessa etapa os nossos processos são bem diferentes de um cultivo de células de mamífero. Porém, o downstream é exatamente o mesmo, porque usamos um sistema cromatográfico para separar o anticorpo de todo o restante das proteínas e outros debris que existem ali”, diz Hugo.
A etapa seguinte é confirmar o sucesso do desenvolvimento, comparando a molécula com o originador Keytruda®. “Como em qualquer inovação biossimilar, temos o desafio de fazer a comparabilidade e estamos avançados
Estamos na etapa de finalizar a comparabilidade. A ideia é apresentar esses dados para a Anvisa e iniciar os estudos clínicos no ano que vem |
na caracterização analítica em nível molecular, nas análises físico-químicas e de funcionalidade, cumprindo o que é exigido pela legislação”, esclarece. “Hoje estamos na etapa de finalizar essa comparabilidade e cerca de 40 metodologias diferentes foram desenvolvidas para atestar que essa molécula é de fato biossimilar. A ideia é apresentar esses dados para a Anvisa e iniciar os estudos clínicos no ano que vem, pelo menos o estudo de fase 1”, sinaliza Hugo.
O desenho do estudo de fase I está sendo refinado, assim como a melhor indicação para o desenvolvimento clínico, considerando opções como melanoma metastático ou câncer de pulmão de células não pequenas metastático. “Para um biossimilar, precisamos escolher uma indicação que seja a mais sensível para comparar as moléculas e isso está sendo debatido com o apoio da área médica”, gerente do projeto de P&D de Bio-Manguinhos.
O Instituto Nacional do Câncer (INCA) muito provavelmente será a instituição parceira na fase clínica, em mais uma aliança estratégica para o fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde.
Atualmente, o portfólio de Bio-Manguinhos inclui 4 biossimilares por transferência de tecnologia (adalimumabe, etanercepte, rituximabe e trastuzumabe) e outros três biossimillares inovadores estão em desenvolvimento, entre eles pembrolizumabe.