Estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences apresenta os resultados de análises genômicas e transcriptômicas de 429 pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração (CPRCm), correlacionadas com desfechos clínicos e tipo de tratamento hormonal. O oncologista André Murad (foto), coordenador da Disciplina de Oncologia da Faculdade de Medicina da UFMG e diretor científico do GBOP- Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão, comenta o trabalho.
A heterogeneidade do câncer de próstata metastático é cada vez mais aparente graças à utilização de perfis moleculares, mas pouco se sabe sobre o impacto que isso representa no desfecho clínico. Agora, Abida et al revisaram dados de 429 pacientes com CPRCm que realizaram biópsia de tecido e coleta de sangue para extração do DNA. O sequenciamento total do exoma foi possível em 444 tumores e o sequenciamento de RNA (RNA-seq) foi realizado com sucesso em 332 tumores de 323 pacientes. Das 444 biópsias, 37% eram linfonodais, 36% ósseas e 14% hepáticas.
Os pacientes foram estratificados de acordo com o status de exposição aos modernos inibidores do receptor de sinalização androgênica (IRSAs), resultando em 47% virgens de tratamento e 46% previamente expostos. A maior parte das amostras (63%) foi adquirida antes da exposição a um taxano.
Neste estudo, a análise de sobrevida global foi realizada para os n = 128 pacientes que receberam IRSA na primeira linha (abiraterona, enzalutamida ou apalutamida) antes de um taxano, isoladamente ou em combinação. O desfecho clínico foi correlacionado com 18 alterações genômicas recorrentes de DNA e RNA, incluindo expressão do receptor androgênico (AR), produção transcricional de AR e assinaturas de expressão neuroendócrina.
O tempo na análise do tratamento foi avaliado para um subgrupo de n = 108 pacientes (dos 128 acima) que receberam IRSA no cenário de primeira linha sem outro agente, para não confundir a interpretação da resposta ao tratamento.
Na revisão histopatológica, 11,2% dos casos avaliáveis (41 de 366) revelaram características neuroendócrinas ou de pequenas células. Os autores descrevem que a mediana de idade no momento do diagnóstico de câncer de próstata foi de 61 anos, enquanto a sobrevida global mediana a partir do momento da biópsia foi de 16 meses.
Os resultados mostram que o tempo para tratamento com IRSA na primeira linha foi altamente associado com sobrevida (Kendall τ = 0,65), assim como indicam que a presença de alterações no gene do retinoblastoma (RB1) foi significativamente associada com pior sobrevida. Em pacientes com mutações RB1, o risco de morte foi 3,3 vezes maior e a taxa de falha ao tratamento foi 7,7 vezes superior.
Alterações na via PI3K e seus genes componentes não foram significativamente associadas com o tempo de terapia com IRSA ou com sobrevida global, assim como as alterações genômicas em BRCA2, BRCA1 e ATM. A mutação SPOP, ao contrário, foi associada ao maior tempo de tratamento com IRSA na primeira linha, indicando prognóstico mais favorável, embora isso não se traduza em benefício de sobrevida.
Referência: Abida, W., Cyrta, J., Heller, G., Prandi, D., Armenia, J., Coleman, I., … Sawyers, C. L. (2019). Genomic correlates of clinical outcome in advanced prostate cancer. Proceedings of the National Academy of Sciences, 201902651. doi:10.1073/pnas.1902651116
Fatores moleculares no câncer de próstata metastático resistente à castração
Por André Márcio Murad, coordenador da disciplina de oncologia da Faculdade de Medicina da UFMG, diretor clínico da Personal - Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor científico do Laboratório Personal de Genética Molecular e do GBOP - Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão
O panorama genômico do câncer de próstata metastático resistente à castração (mCRPC) tem sido bem definido, mas a associação dos achados genômicos com desfechos clínicos do paciente e com outras características, incluindo os achados histopatológicos e atividade da via transcricional, permanece pouco compreendida.
No presente estudo, os autores descrevem uma análise integrativa abrangente dos perfis genômicos e transcriptômicos, achados histopatológicos e desfechos clínicos para 429 pacientes portadores de mCRPC. De todos os fatores moleculares examinados, as alterações na RB1 tiveram a associação mais forte com desfecho clínico desfavorável. O estudo também identifica grupos de pacientes definidos molecularmente que podem se beneficiar de uma abordagem de tratamento mais agressiva, com os dados genômicos e de resultados disponibilizados para a comunidade de pesquisa para investigações posteriores.
Interessante notar que o estudo não encontrou nenhuma associação entre alterações nos genes da via PI3K ou alterações nos genes BRCA2, BRCA1 e ATM de reparo do dano ao DNA com sobrevida global e tempo de tratamento com um ARSI (inibidores de sinalização do receptor androgênico de última geração).
Isto está em contraste com estudos anteriores que encontram uma associação entre alterações em BRCA2, BRCA1 e ATM detectadas em cfDNA (DNA tumoral livre circulante) com resposta aos ARSIs e com a sobrevida global dos pacientes.
As diferentes conclusões podem estar relacionadas a diferenças entre perfis de tumor e cfDNA, potencial dificuldade em detectar perda homozigótica em cfDNA em relação a um tumor, e um possível viés introduzido pela exigência de cfDNA detectável, embora os autores tenham representado a detecção de cfDNA em uma análise multivariada.
Além disso, os dados para o papel prognóstico das alterações de BRCA2, BRCA1 e ATM foram previamente conflitantes com um outro estudo prévio que demonstrou melhor prognóstico para tumores com alterações nesses genes, e um terceiro estudo, que não identificou nenhum impacto para a presença dos genes de reparo de DNA germinativo nos desfechos do mCRPC. Surpreendentemente, também não foi encontrada associação entre AR-V7 em tumores e desfechos clínicos, em contraste com estudos prévios baseados em CTC (células tumorais circulantes).