Estudo prospectivo publicado no Journal of the National Cancer Institute traz novas evidências sobre a associação entre doença periodontal e risco de câncer em adultos. Os especialistas Fabio de Abreu Alves, diretor do Departamento de Estomatologia do A.C.Camargo Cancer Center, e Emmanuel Dias Neto, coordenador do Laboratório de Genômica Médica da mesma instituição, analisam estudos recentes que investigam essa relação.
O trabalho incluiu 7466 participantes da coorte de um estudo sobre Ateroesclerose (ARIC), que foram convidados para visitas de acompanhamento e coleta de dados sobre saúde bucal.
Na visita 4 (1996-1998) os indivíduos dentados foram submetidos a exame odontológico. A profundidade de sondagem e a recessão gengival foram medidas em seis locais em todos os dentes para definir a gravidade da doença periodontal. Os cânceres incidentais (n = 1648) e as mortes por câncer (n = 547) foram verificados durante uma mediana de 14,7 anos de seguimento.
Resultados
Em indivíduos com periodontite grave (> 30% dos locais com perda de inserção> 3 mm) o risco foi 24% maior quando comparado a ausência de periodontite/periodontite leve (<10% dos locais com perda de inserção> 3 mm) (hazard ratio [HR] = 1,24, intervalo de confiança de 95% [CI] = 1,07 a 1,44, Ptrend = 0,004). Entre os pacientes edêntulos - o que pode ser um sinal de periodontite severa - o aumento de risco chegou a 28%.
O estudo de Michaud, DS et al mostra que o maior risco esteve associado a câncer de pulmão (HR = 2,33, IC 95% = 1,51 a 3,60, Ptrend <0,001) e câncer colorretal (HR = 2,12, 95 % CI = 1,00 a 4,47).
Em conclusão, este estudo fornece evidências adicionais de que o risco de câncer é elevado em indivíduos com periodontite, especialmente para câncer pulmonar e colorretal.
A periodontite é uma doença inflamatória avançada das gengivas causada pela disbiose bacteriana oral, que afeta a resposta imune local e sistêmica.
Referência: Dominique S Michaud, Jiayun Lu, Alexandra Y Peacock-Villada, John R Barber, Corinne E Joshu, Anna E Prizment, James D Beck, Steven Offenbacher, Elizabeth A Platz; Periodontal Disease Assessed Using Clinical Dental Measurements and Cancer Risk in the ARIC Study, JNCI: Journal of the National Cancer Institute, djx278, https://doi.org/10.1093/jnci/djx278
Doença periodontal e o desenvolvimento do câncer
Por Emmanuel Dias Neto e Fabio de Abreu Alves
Há pelo menos três artigos recentes, dois em 2018 e um em 2017, mostrando a relação da doença periodontal e o desenvolvimento do câncer (incluindo o estudo publicado no JNCI). Dois estudos são epidemiológicos, onde pacientes que tiveram periodontite avançada apresentaram maior possibilidade de desenvolver câncer, principalmente câncer de pulmão, colorretal e pâncreas. O outro estudo é uma revisão que faz menção a patógenos encontrados na bolsa periodontal e que poderiam estar relacionados ao desenvolvimento do câncer colorretal, principalmente a bactéria anaeróbica Gram-negativa Fusobacterium nucleatum (FN).1,2,3
Existe uma teoria mais antiga que postulava que a alterações na microbiota oral humana (MOH) poderiam indicar as fases iniciais de uma doença sistêmica. Esta teoria foi popular no passado, contudo com a falta de evidências científicas ela foi sendo esquecida. Entretanto, alguns estudos recentes têm sugerido que a MOH é alterada por elementos tais como o álcool e o tabaco4, sendo que o desequilíbrio causado por estas alterações leve a um desequilíbrio sistêmico da microbiota de outros órgãos.
Estima-se que microorganismos diversos, tais como HPV (papiloma vírus humano), vírus da hepatite B e C, e Helicobacter pylori, estejam relacionados a cerca de 15% de todos os tipos de câncer em humanos. Técnicas modernas de metagenômica permitem identificar a composição da microbiota de diversos tecidos humanos, incluindo em situações patológicas tais como o câncer. Como exemplos diretos, podemos citar o HPV no câncer de colo de útero e de orofaringe, o herpes vírus e o sarcoma de Kaposi e o próprio H. pylori no câncer gástrico e linfoma tipo Malt. No caso específico de patógenos orais, FN foi encontrada em quantidades aumentadas em pólipos pré-malignos (adenomas) e tumores malignos colorretais. Sendo assim, fortes evidências sugerem que esta bactéria migre da boca para outras regiões em determinadas condições. Além disso, a boca é o início do trato digestivo e FN poderia chegar a sua porção mais inferior.
Comentando mais especificamente sobre um importante achado do estudo publicado no JNCI, onde foi observado que indivíduos que nunca fumaram, mas tinham doença periodontal avançada ou eram edêntulos foram mais associados ao desenvolvimento do câncer colorretal do que a população geral do estudo (HR 2.2).
Duas ponderações precisam ser consideradas. Primeira: um indivíduo desdentado não apresenta mais a doença periodontal, pois já perdeu o periodonto (tecido de inserção entre o dente e o osso, onde se instala a doença periodontal). Seria possível que uma doença inflamatória crônica, mas já superada tal como a doença periodontal antiga que levou a perda dos dentes, contribuir para uma disbiose à distância, como no câncer colorretal? Ou por não ter a doença periodontal, por ser desdentado, não teria nenhuma relação com o desenvolvimento do câncer colorretal. Essas situações necessitam ser melhor esclarecidas com estudos controlados.
A segunda ponderação está relacionada com a idade, já que os dados do estudo mostram clara evidência entre doença periodontal avançada e a idade mais elevada nos pacientes. É bem estabelecido que indivíduos com mais idade também são mais suscetíveis a desenvolver câncer de uma forma geral. Como conclusão, há alguma evidência sobre a relação da doença periodontal com o desenvolvido de alguns tipos de câncer, principalmente o colorretal. Contudo, estudos com maior evidência científica são importantes para esclarecer algumas dúvidas ainda existentes.
Referências
1- Dominique S. Michaud, Jiayun Lu, Alexandra Y. Peacock-Villada, John R. Barber, Corinne E. Joshu, Anna E. Prizment, James D. Beck, Steven Offenbacher, Elizabeth A. Platz Periodontal Disease Assessed Using Clinical Dental Measurements and Cancer Risk in the ARIC Study. JNCI J Natl Cancer Inst (2018) 110(8): djx278
2- Pia Heikkila, Anna But, Timo Sorsa, Jari Haukka. Periodontitis and cancer mortality: Register-based cohort study of 68,273 adults in 10-year follow-up. Int. J. Cancer: 00, 00–00 (2018) VC 2018 UICC.
3- D. LAURITANO1 , L. SBORDONE2 , M. NARDONE3 , A. IAPICHINO4 , L. SCAPOLI4 , F. CARINCI. FOCUS ON PERIODONTAL DISEASE AND COLORECTAL CARCINOMA. ORAL & Implantology - Anno X - N. 3/2017.
4- Thomas AM, Gleber-Netto FO, Fernandes G, Amorim MG, Barbosa LF, Francisco ALN, Guerra A, Kowalski LP, Nunes DN & Dias-Neto E (2014). Alcohol and tobacco consumption affects bacterial richness in oral cavity mucosa biofilms. BMC Microbiology 14:250. doi: 10.1186/s12866-014-0250-2 PMID: 25278091