Apesar da redução no uso de combustíveis sólidos para cozinhar, a exposição à poluição do ar doméstico continua sendo um fator de risco global, contribuindo consideravelmente para a carga de doenças. Bennitt et al. apresentam os padrões espaciais e tendências temporais da exposição a combustíveis de 1990 a 2021, em 204 países e territórios, em análise que considera doenças atribuíveis, entre elas o câncer.
A poluição do ar doméstico (HAP) por combustíveis sólidos para cozinhar é uma fonte conhecida de exposição com riscos à saúde, que afeta bilhões de pessoas em todo o mundo. Pessoas vivendo em domicílios que usam principalmente combustíveis sólidos (carvão ou carvão vegetal, madeira, resíduos de colheitas e esterco) para cozinhar são expostas a altos níveis de HAP de partículas com diâmetro inferior a 2,5 μm (PM2,5), um risco bem estabelecido para a saúde humana.
Neste estudo, os pesquisadores estimaram a exposição e as tendências de HAP e a carga atribuível para catarata, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença cardíaca isquêmica, infecções respiratórias inferiores, câncer de traqueia, câncer de brônquios, câncer de pulmão, derrame, diabetes tipo 2 e causas mediadas por resultados reprodutivos adversos para 204 países e territórios de 1990 a 2021.
Bennitt e colegas estimaram as concentrações médias específicas do tipo de combustível (em μg/m3) de poluição de material particulado fino (PM2·5) às quais os indivíduos que usam combustíveis sólidos para cozinhar foram expostos, categorizados por tipo de combustível, localização, ano, idade e sexo. “Combinamos nossas estimativas de exposição e riscos relativos para estimar frações atribuíveis à população e carga atribuível para cada causa por sexo, idade, localização e ano”, explicam.
Os resultados relatados no The Lancet mostram que 2,67 bilhões de pessoas – 38% da população global – foram expostas ao HAP em 2021, em uma concentração média de 84,2 μg/m3. “Embora esses números mostrem redução importante na porcentagem da população global exposta em 1990 (56,7%, 56,4–57,1), em termos absolutos houve apenas um declínio de 0,35 bilhões (10%) dos 3,02 bilhões de pessoas expostas ao HAP em 1990”, revela a análise.
Em 2021, um total de 111 milhões de anos de vida ajustados por incapacidade (DALYs) foram globalmente atribuíveis ao HAP, respondendo por 3,9% (95% UI 2,6–5,7) de todos os DALYs. Bennitt et al. descrevem que a taxa global de DALYs atribuíveis ao HAP em 2021 foi de 1500,3 (95% UI 1028,4–2195,6) DALYs padronizados por idade por 100.000 habitantes, um declínio de 63,8% desde 1990, quando os DALYs atribuíveis ao HAP compreendiam 4147,7 (3101,4–5104,6) DALYs padronizados por idade por 100.000 habitantes.
A análise também mostra que a carga atribuível ao HAP permaneceu mais alta na África Subsaariana e no sul da Ásia, com 4044,1 (3103,4–5219,7) e 3213,5 (2165,4–4409,4) DALYs padronizados por idade por 100.000 habitantes, respectivamente. A taxa de DALYs atribuíveis a HAP foi maior para homens (1530·5, 1023·4–2263·6) do que para mulheres (1318·5, 866·1–1977·2).
Aproximadamente um terço da carga atribuível a HAP (518·1, 410·1–641·7) esteve associada a gestação curta e baixo peso ao nascer. A decomposição de tendências e fatores por trás das mudanças na carga atribuível a HAP destacou que os declínios nas exposições foram neutralizados pelo crescimento populacional na maioria das regiões do mundo, especialmente na África Subsaariana.
“Nossas descobertas destacam maior exposição, morbidade e mortalidade do que o estimado anteriormente e mostram que, embora as reduções na exposição tenham levado a uma redução líquida na carga de HAP ao longo do tempo, o crescimento populacional neutralizou grande parte do efeito da exposição reduzida”, analisam os autores. “Identificamos que cerca de um terço da carga atribuível a HAP é mediada por resultados reprodutivos adversos, levando a dezenas de milhões de anos de vida perdidos anualmente. Esforços renovados e investimentos internacionais são necessários para fazer a transição de comunidades expostas para combustíveis mais limpos e reduzir a consequente carga vitalícia da poluição do ar doméstico”, concluem.
Referência:
Global, regional, and national burden of household air pollution, 1990–2021: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2021. Bennitt, Fiona B et al. The Lancet