A terapia com plasma convalescente está associada a melhores resultados em pacientes hospitalizados com COVID-19 e câncer hematológico? Estudo de coorte com 966 participantes sugere um potencial benefício de sobrevida na administração de plasma convalescente nessa população de pacientes. Os resultados foram publicados no JAMA Oncology. "Embora retrospectivo e sem detalhamento do momento da doença em que o plasma hiperimune foi utilizado, o artigo traz mais uma evidência da possível uitilidade da estratégia", avalia o hematologista Carlos Chiattone (foto), professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e coordenador do Núcleo de Onco-Hematologia do Hospital Samaritano.
"Desde o início da pandemia, diversos estudos têm evidenciado pior evolução frente a infecção pelo SARS-Cov-2 em diferentes grupos de pacientes, incluindo os acometidos por câncer, particularmente por doenças onco-hematológicas. Diversas são as razões para que isso aconteça. A imunodeficiência humoral, mas também celular, são bem conhecidas neste grupo de doentes. Esta imunodeficiência é decorrente da neoplasia per se, mas também pelas terapias utilizadas, exemplificadas pelos anticorpos monoclonais anti-CD20 que determinam queda do número de linfócitos e das imunoglobulinas. Há, portanto, uma indiscutível pior capacidade de enfrentamento ao SARS-Cov-2 por estes pacientes", ressalta Chiattone.
O especialista destaca que em um curto espeço de tempo, é notável o conhecimento adquirido sobre a biologia e identificação das fases clínicas evolutivas desta infecção. "É extraordinário a rapidez no desenvolvimento das vacinas, que juntamente com medidas de isolamento social, são as únicas eficazes na prevenção da doença. Quanto ao tratamento propriamente dito, uma avalanche de medicamentos e procedimentos invadiram a literatura médica, com estudos de diferentes qualidades, e poucos permanecem em uso mais estabelecido, mas dependente do momento evolutivo em que a doença se encontra. É o caso dos corticosteróides e da anticoagulação", esclarece. "Algumas terapias têm forte racional teórico, mas mesmo aqui, os resultados dos estudos têm sido conflitantes. São os casos do uso de drogas anti IL-6 e do uso de plasma de pacientes convalescentes da infecção da Covid19. Este último tem um alto racional teórico, além de experiência com outras infecções virais", acrescenta.
Este estudo de coorte retrospectivo buscou avaliar a associação do tratamento com plasma convalescente com mortalidade em 30 dias em adultos hospitalizados com câncer hematológico e COVID-19 de uma coorte multi-institucional. Foram utilizados dados do registro COVID-19 and Cancer Consortium com correspondência de escore de propensão. Os dados foram coletados entre 17 de março de 2020 e 21 de janeiro de 2021.
O desfecho principal foi mortalidade por todas as causas em 30 dias. Foi realizada a análise de regressão de riscos proporcionais de Cox com ajuste para potenciais fatores de confusão, assim como análises de subgrupos secundários em pacientes com COVID-19 grave que necessitaram de suporte ventilatório mecânico e/ou admissão à unidade de terapia intensiva.
Resultados
Um total de 966 indivíduos (mediana de idade, 65 [15] anos; 539 [55,8%] homens) foram avaliados no estudo; 143 receptores de plasma convalescentes foram comparados com 823 pacientes controle não tratados. Após o ajuste para potenciais fatores de confusão, o tratamento com plasma convalescente foi associado à melhora da mortalidade em 30 dias (HR, 0,60; 95% CI, 0,37-0,97). Essa associação permaneceu significativa após a correspondência do escore de propensão (HR, 0,52; 95% CI, 0,29-0,92).
Entre os 338 pacientes admitidos na unidade de terapia intensiva, a mortalidade foi significativamente menor em receptores de plasma convalescentes em comparação com não receptores (HR para comparação com escore de propensão, 0,40; 95% CI, 0,20-0,80). Entre os 227 pacientes que necessitaram de suporte ventilatório mecânico, a mortalidade foi significativamente menor em receptores de plasma convalescentes em comparação com não receptores (HR para comparação com escore de propensão, 0,32; 95% CI, 0,14-0,72).
Para os autores, os achados sugerem um benefício potencial de sobrevida na administração de plasma convalescente a pacientes com câncer hematológico e COVID-19.
"Temos muito ainda a aprender com este procedimento transfusional, passando pela gestão da coleta, armazenamento, critérios de qualificação deste produto hemoterápico, e principalmente, na identificação do momento ideal da evolução da doença para sua aplicação, bem como o perfil do paciente mais adequado para sua utilização", conlui Chiattone.
Referência: Thompson MA, Henderson JP, Shah PK, et al. Association of Convalescent Plasma Therapy With Survival in Patients With Hematologic Cancers and COVID-19. JAMA Oncol. Published online June 17, 2021. doi:10.1001/jamaoncol.2021.1799