O estudo randomizado de fase III PORTEC-3 investigou o benefício da quimiorradioterapia adjuvante versus radioterapia pélvica isolada em mulheres com câncer endometrial de alto risco. Agora, análise atualizada publicada no Lancet Oncology buscou investigar os padrões de recorrência e avaliar a sobrevida post-hoc. O oncologista Eduardo Paulino (foto), do Grupo Oncoclínicas/RJ e do Instituto Nacional de Câncer (INCA), comenta os resultados.
No PORTEC-3, eram elegíveis mulheres (> 18 anos) com câncer de endométrio de alto risco definidas como: histologia endometrioide estádio IA grau 3 com invasão linfovascular, estágio IB grau 3; doença estádio II ou III; ou com histologia serosa ou células claras estádios I – III; e performance status WHO de 0-2.
As participantes foram randomizadas (1:1) para receber apenas radioterapia (48·6 Gy em frações de 1·8 Gy administradas em 5 dias por semana) ou quimiorradioterapia (dois ciclos de cisplatina 50 mg/m2 IV na primeira e quarta semana de radioterapia, seguidos por quatro ciclos de carboplatina AUC5 e paclitaxel 175 mg/m2 IV a cada 21 dias), e foram estratificadas por centro participante, linfadenectomia, estadiamento e tipo histológico.
Os endpoints primários foram sobrevida global e sobrevida livre de falha e os secundários recidiva vaginal, pélvica e à distância. Os endpoints de sobrevida foram analisados por intenção de tratar, e ajustados para fatores de estratificação. O estudo foi encerrado em 20 de dezembro de 2013; o follow-up ainda está em andamento. Nesta publicação, os autores realizaram uma análise post-hoc para avaliar os padrões de recorrência e sobrevida após um follow-up de 72.6 meses.
Resultados
Entre 23 de novembro de 2006 e 20 de dezembro de 2013, foram inscritas 686 mulheres, das quais 660 eram elegíveis (330 no grupo de quimioradioterapia e 330 no grupo de radioterapia isolada). Em um acompanhamento médio de 72,6 meses (IQR 59,9-85,6), a sobrevida global (OS) em 5 anos foi de 81,4% (95% IC 77,2 - 85,8) no grupo que recebeu quimiorradioterapia versus 76,1 % (71,6 – 80,9) no grupo de radioterapia isolada (hazard ratio ajustada [HR] 0,70 [95% IC 0,51-0,97], p = 0,034). A sobrevida livre de falha (FFS) foi de 76,5% no braço qimiorradioterapia (95% IC 71,5 - 80,7) versus 69,1% (63,8 - 73,8; HR 0,70 [0,52- 0,94], p = 0 016) no braço de radioterapia isolada. Em analise de subgrupo não pré-planejada, as pacientes em estagio III foram as que se mais beneficiaram do tratamento combinado tanto em OS (78,5% versus 68,5%, p=0,043) quanto em FFS (70,9% versus 58,4, p=0,011). O mesmo foi evidenciado nas pacientes com subtipo seroso ( OS 71,4% verssus 52,8% p=0,037; FFS 59,7% versus 47,9%, p=0,008).
Com relação as recorrências, metástase à distância foi o primeiro local de recorrência na maioria das pacientes ocorrendo em 78 de 330 mulheres (probabilidade em 5 anos de 21,4%; 95% IC 17,3 - 26,3) no grupo de quimiorradioterapia versus 98 de 330 (probabilidade em 5 anos 29,1%; 24,4 – 34,3) no grupo tratado somente com radioterapia (HR 0,74 [95% IC 0,55 –0, 99]; p = 0,047). A recidiva vaginal isolada foi o primeiro local de recidiva em uma paciente (0,3%; 95% IC 0,0 - 2,1) em ambos os grupos (HR 0,99 [95% IC 0,06 - 15,90]); p = 0,99), e a recidiva pélvica isolada foi o primeiro local de recorrência em três mulheres (0,9% [95% IC 0,3 -2,9]) no grupo quimioradioterapia versus quatro (0,9% [95% IC 0,3 - 2,8] no grupo tratado somente com radioterapia (HR 0,75 [95% IC 0,17 - 3,33]; p = 0,71).
Aos 5 anos, não houve diferença nos eventos adversos grau 3 entre os dois grupos, ocorrendo em 16 (8%) de 201 mulheres no grupo de quimiorradioterapia versus dez (5%) de 187 no grupo de radioterapia isolada (p = 0,24). O evento adverso de grau 3 mais comum foi hipertensão (em quatro [2%] mulheres em ambos os grupos). Eventos adversos igual ou maior a grau 2 foram relatados em 76 (38%) de 201 mulheres no grupo quimiorradioterapia versus 43 (23%) de 187 no grupo de radioterapia isolada (p = 0,002). Neuropatia sensitiva persistente foi mais comum após quimiorradioterapia do que após a radioterapia isolada (grau 2 ou superior em 6% (13 de 201 mulheres) versus 0% (0 de 187). Não houve nenhuma morte relacionada ao tratamento.
Os autores concluíram que esta análise atualizada demonstra um aumento significativo da sobrevida global e sobrevida livre de falha da quimiorradioterapia versus radioterapia isolada. Esse esquema terapeutico deve ser discutido e recomendado, especialmente para mulheres com câncer estádio III ou seroso, ou ambos, como parte da tomada de decisão compartilhada entre médicos e pacientes,
O acompanhamento está em andamento para avaliar a sobrevida em longo prazo.
O estudo foi financiado pela Dutch Cancer Society, Cancer Research UK, National Health and Medical Research Council, Project Grant, Cancer Australia Grant, Italian Medicines Agency, e Canadian Cancer Society Research Institute, e está registrado com ISRCTN, número ISRCTN14387080 e ClinicalTrials.gov, número NCT00411138.
Novos dados apoiam tomada de decisão
Por Eduardo Paulino
Há exatos 2 anos foram publicados nesta coluna da Onconews os resultados apresentados do PORTEC3 e GOG 258 na ASCO DE 2017 com o seguinte título: “Primum non nocere: os resultados do PORTEC3 e GOG 258”. Naquela ocasião, o PORTEC 3 demonstrava resultados desapontadores, sem atingir seu endpoint primário de sobrevida global (SG) e sobrevida livre de falha (FFS) com a combinação de quimiorradioterapia (um tratamento considerado por muitos oncologistas).
Mas o que houve desde então? Logo após a apresentação em 2017, sua primeira publicação na Lancet em 2018 (já com um follow-up de 60.2 meses) demonstrou um ganho significativo em FFS. Agora, com um follow-up ainda maior (de 72,6 meses), os dados mais maduros demonstraram um ganho significativo também em sobrevida global para o tratamento combinado.
O PORTEC 3 incluiu pacientes estádio I a III, com histologias endometrióide, serosa ou células claras. Em análise de subgrupo não pré-planejada (post-hoc), o benefício pareceu se restringir às pacientes com estádio III (benefício da quimioterapia neste cenário já era conhecido baseado no estudo GOG122) e no subtipo seroso (este sendo um importante achado já que os estudos que demonstravam benefício para quimioterapia em tumores serosos se restringiam a análises retrospectivas).
Com os resultados atualizados, apesar de não responder ainda por completo o papel da quimiorradioterapia nas pacientes com câncer de endométrio inicial (estádio I e II) de alto risco, esta atualização dos resultados deve ser levada em consideração e compartilhada com a paciente na tomada de decisão.
ClinicalTrials.gov, número NCT00411138.
Referência: Adjuvant chemoradiotherapy versus radiotherapy alone in women with high-risk endometrial cancer (PORTEC-3): patterns of recurrence and post-hoc survival analysis of a randomised phase 3 trial - Stephanie M de Boer et al - Open AccessPublished:July 22, 2019DOI:https://doi.org/10.1016/S1470-2045(19)30395-X