Cerca de 15% dos pacientes com câncer de endométrio têm características de alto risco, com maior risco de metástases à distância e morte relacionada à doença. O estudo PORTEC-3 avaliou o benefício de quimiorradioterapia adjuvante em comparação com radioterapia exclusiva para mulheres com câncer endometrial de alto risco. Os resultados de qualidade de vida foram publicados no Lancet Oncology. A oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz (foto), Coordenadora da Oncologia Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), comentou o estudo.
“O estudo mostra que a combinação é factível e dá uma diretriz de como fazê-la, no que se refere a sequencia de tratamento e doses. Os dados de sobrevida, que devem estar maduros em breve, serão determinantes para definir se a combinação de quimioterapia e radioterapia em pacientes com câncer de endométrio deve ou não ser considerada tratamento padrão”, afirma a oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz, Coordenadora da Oncologia Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).
"O estudo é bem desenhado, o número de pacientes incluídas é expessivo e os resultados são claros, com análise de qualidade de vida. Apesar de maior toxicidade no grupo da combinação, os resultados apontam para uma recuperação significativa em 12 meses, persistindo apenas a neuropatia significativamente mais frequente, mas <G2, no grupo da combinação de tratamento", acrescenta Pilar.
Sobre o estudo
PORTEC-3 é um estudo aberto, multicêntrico, randomizado, realizado pelo Grupo Holandês de Oncologia Ginecológica, que avaliou mais de 600 mulheres com câncer endometrial de alto risco. As mulheres foram randomizadas (1: 1) para receber radioterapia exclusiva (48,6 Gy) em frações de 1,8 Gy cinco vezes por semana ou quimiorradioterapia (dois ciclos de cisplatina 50 mg/m2, seguido de quatro ciclos de carboplatina (AUC)e paclitaxel adjuvante (175 mg / m2).
Os endpoints primários foram sobrevida global e sobrevida livre de progressão analisados por intenção-de-tratar. O endpoint secundário foi qualidade de vida, com a avaliação da toxicidade e dos critérios de saúde relacionados com qualidade de vida.
Como parâmetros, o estudo utilizou o questionário da Organização Europeia de Pesquisa e Tratamento do Câncer (EORTC QLQ-C30), além de escalas para avaliação de neuropatia pós-quimioterapia e capacidade funcional. Como o módulo sobre endométrio da EORTC ainda não estava disponível, os pesquisadores empregaram o módulo de câncer do colo do útero (CX24) associado a escalas do módulo de ovário (OV28) com pontuações que avaliam a neuropatia pós-quimioterapia e a qualidade de vida funcional e global.
Os dados foram coletados no início do estudo, avaliados após a radioterapia e após 6, 12, 24, 36 e 60 meses após a aleatorização.
Resultados
Entre 15 de setembro de 2006 e 20 de dezembro de 2013, 686 mulheres foram selecionadas para o estudo PORTEC-3. Destas, 660 preencheram os critérios de elegibilidade e 570 (86%) foram avaliáveis para qualidade de vida. O acompanhamento médio foi de 42,3 meses (25,8-55, 1).
Na conclusão da radioterapia e aos 6 meses, os indicadores relacionados à qualidade de vida foram significativamente mais baixos para o grupo tratado com quimiorradioterapia em comparação com radioterapia isolada, melhorando com o tempo. Aos 12 e 24 meses, a avaliação de qualidade de vida foi semelhante entre os grupos, embora o indicador associado ao desempenho físico tenha se mantido ligeiramente menor nos pacientes que receberam quimiorradioterapia.
Aos 24 meses, 48 (25%) de 194 pacientes no grupo radioquimioterapia relataram grave formigamento ou entorpecimento em comparação com 11 (6%) de 170 pacientes no grupo da radioterapia (p <0 · 0001). Eventos adversos Grau 2 ou piores foram encontrados em 309 (94%) de 327 pacientes no grupo da radioquimioterapia contra 145 (44%) de 326 pacientes no grupo da radioterapia, enquanto reações grau 3 ou piores ocorreram em 198 (61 %) de 327 pacientes no grupo radioquimioterapia versus 42 (13%) de 326 pacientes tratados com radioterapia isolada (p <0 · 0001), principalmente eventos hematológicos (45%).
Não foram encontradas diferenças significativas nos eventos adversos aos 12 e 24 meses, mas a neuropatia sensorial persistiu em 25% dos pacientes no grupo da quimiorradioterapia.
De acordo com os autores, este é o primeiro estudo randomizado que avaliou eventos adversos e qualidade de vida com quimioterapia e radioterapia combinada. A quimiorradioterapia teve impacto significativo sobre a qualidade de vida durante e após o tratamento. No entanto, a rápida recuperação ocorreu entre 6-12 meses após a randomização, sem diferença nos eventos adversos de grau 3 aos 12 e 24 meses entre os braços avaliados. Eventos neurológicos de Grau 2 persistiram em 10% dos pacientes no grupo radioquimioterapia contra <1% das mulheres no grupo de radioterapia isoladamente.
Para os autores, a combinação de quimiorradioterapia adjuvante para mulheres com câncer endometrial de alto risco é viável. A análise final do estudo PORTEC-3 é aguardada para determinar o benefício de sobrevida.
“Ainda temos muitas perguntas a serem respondidas nesse grupo de pacientes, particularmente em mulheres com doença de alto risco de recidiva, sobre quais os benefícios e toxicidades do tratamento combinado de radioterapia e quimioterapia. Existe um grande número de mulheres utilizando as duas modalidades de tratamento, sem evidências conclusivas do benefício e o estudo PORTEC-3 deve responder a estes questinamentos", conclui Pilar.
O estudo está disponível para acesso livre (http://dx.doi.org/10.1016/S1470-2045(16)30120-6), registrado na plataforma ISRCTN.com, número ISRCTN14387080, e em ClinicalTrials.gov, número NCT00411138.
Referência: Toxicity and quality of life after adjuvant chemoradiotherapy versus radiotherapy alone for women with high-risk endometrial cancer (PORTEC-3): an open-label, multicentre, randomised, phase 3 trial - Stephanie M de Boeret al - DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S1470-2045(16)30120-6